Os títulos do Tesouro dos EUA foram vendidos em massa nesta quarta-feira (9), quando as tarifas do presidente Donald Trump contra a China entraram em vigor, aumentando a preocupação dos investidores sobre o status de “porto seguro” da dívida soberana dos EUA.
O rendimento do Tesouro dos EUA a 10 anos saltou para 4,51% antes de recuar para 4,45% —um aumento de 0,19 pontos percentuais no dia— enquanto o rendimento a 30 anos subiu brevemente acima de 5%. O rendimento a 10 anos subiu quase 4% desde o início da semana.
O movimento elevou os custos de empréstimos governamentais em todo o mundo, com os rendimentos no Reino Unido e no Japão subindo acentuadamente.
Os movimentos oferecem um novo desafio à administração Trump, que anteriormente citava a redução dos rendimentos do Tesouro como um objetivo de política, e podem marcar uma perda de confiança dos investidores no maior mercado de dívida soberana do mundo.
“A venda pode ser um sinal de uma mudança em que os títulos do Tesouro dos EUA não são mais o porto seguro global de renda fixa”, avaliou Ben Wiltshire, estrategista de taxas do Citi.
A “liquidação” desses papeis é o mais recente sinal de investidores saindo de ativos de baixo risco e indo para o dinheiro, à medida que as tarifas de Trump sobre grandes parceiros comerciais provocam intensa volatilidade nos mercados.
Ações e títulos costumam se mover inversamente, mas os futuros indicam que os mercados de ações dos EUA estão prontos para vender na quarta-feira junto com os títulos do Tesouro dos EUA. Acredita-se também que os fundos de hedge, que são grandes detentores de títulos do Tesouro, estão vendendo.
Larry Summers, ex-secretário do Tesouro dos EUA, escreveu em um post no X (antigo Twitter) que “esse padrão altamente incomum sugere uma aversão generalizada aos ativos dos EUA nos mercados financeiros globais. Estamos sendo tratados pelos mercados financeiros globais como um mercado emergente problemático.”
Investidores e analistas apontaram para o mau funcionamento de operações populares que visam explorar diferenças de preço entre títulos do Tesouro e contratos futuros associados, conhecidos como “basis trade”, ou entre títulos do Tesouro e swaps de taxa de juros. À medida que os fundos de hedge reduzem o risco e saem dessas operações, eles têm vendido títulos do Tesouro, pressionando os mercados.
Em outro sinal de estresse nos mercados, as diferenças entre os rendimentos do Tesouro e os swaps de taxa de juros se ampliaram acentuadamente.
Nick Lawson, CEO do grupo de investimentos Ocean Wall, afirmou que a reversão dessa operação estava “colocando grande estresse em todo o sistema financeiro”.
“Os fundos de hedge têm trilhões amarrados nesse tipo de estratégia”, comentou. “À medida que as coisas se descontrolam, eles são forçados a vender qualquer coisa que possam —até mesmo bons ativos— apenas para se manterem à tona… se o Fed (Federal Reserve, o BC dos EUA) não intervir em breve, isso pode se transformar em uma crise completa. É muito sério”, disse Lawson.
A venda acelerou depois que o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, tentou minimizar as tensões no mercado. “Acredito que não há nada sistêmico nisso… é um desconfortável, mas normal, desalavancamento acontecendo no mercado de títulos”, disse o secretário à emissora de televisão Fox Business.
Vários participantes do mercado disseram que a situação lembrava o caos do mercado de março de 2020, no início da pandemia de Covid-19, quando uma grande reversão do “basis trade” contribuiu para uma “corrida por dinheiro” que levou os títulos do Tesouro a uma queda livre e forçou o Fed a intervir com grandes compras de títulos.
“Dada a escala da derrocada, isso está levantando dúvidas se o Federal Reserve pode precisar responder para estabilizar as condições do mercado”, analisou Jim Reid do Deutsche Bank. “Os mercados estão precificando uma probabilidade crescente de um corte de emergência, assim como vimos durante a turbulência da Covid e o auge da crise financeira global em 2008.”
Outros operadores do mercado e acadêmicos já alertaram anteriormente que intervenções do Fed para comprar títulos e salvar o “basis trade” poderiam incentivar ainda mais operações altamente alavancadas, pois a compra atua como um piso para perdas potenciais.
O mercado de títulos do governo do Japão também viu uma forte venda, com o rendimento de 30 anos subindo 0,3 ponto percentual para acima de 2,8%, um recorde de 21 anos. Os rendimentos de 30 anos do Reino Unido subiram 0,25 ponto percentual para 5,59%, o mais alto desde 1998.
“Os vigilantes das ações e dos títulos estão sinalizando que a administração Trump pode estar brincando com nitroglicerina líquida”, escreveu o estrategista macro Ed Yardeni da Yardeni Research em uma nota.
“Algo pode estar prestes a explodir nos mercados de capitais como resultado do estresse criado pela guerra comercial da administração”, avaliou Yardeni.
A preocupação com a dívida dos EUA piorou após um leilão do Tesouro dos EUA na terça-feira (8) para notas de três anos atrair a demanda mais fraca desde 2023.
A demanda fraca lançará uma dúvida sobre os leilões futuros desta semana, incluindo a venda de US$ 39 bilhões (R$ 237,2 bilhões) em notas de 10 anos na quarta-feira e US$ 22 bilhões (R$ 133,8 bilhões) em títulos de 30 anos na quinta-feira.
Alguns participantes do mercado especularam que a China e outros estavam liquidando suas participações em títulos do Tesouro.
“O mercado agora está preocupado com a China e outros países ‘despejando’ títulos do Tesouro dos EUA como uma ferramenta de retaliação. Daí, os rendimentos do Tesouro estão subindo”, disse Grace Tam, principal consultora de investimentos do BNP Paribas Wealth Management em Hong Kong.
“No curto prazo, esperamos que o mercado de títulos permaneça volátil, dada a incerteza sobre tarifas, potenciais negociações e potenciais retaliações.”