Em meio a críticas pela falta de punições mais duras para coibir casos de racismo em partidas de futebol na América do Sul –com torcedores rivais chamando jogadores brasileiros de macacos–, o presidente da Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol), Alejandro Domínguez, afirmou que uma edição da Copa Libertadores sem clubes do Brasil seria como “o Tarzan sem a Chita”.
A declaração polêmica foi dada em entrevista a jornalistas na noite de segunda-feira (17), após o sorteio da fase de grupos da Libertadores.
Domínguez pediu desculpas pelas declarações em nota publicada no início da tarde desta terça-feira (18) em suas redes sociais.
“A expressão que utilizei é uma frase popular e jamais tive a intenção de menosprezar nem desqualificar ninguém”, escreveu no X, antigo Twitter.
“Sempre promovi o respeito e a inclusão no futebol e na sociedade, valores fundamentais para a Conmebol”, acrescentou.
O questionamento sobre eventual ausência das equipes brasileiras na competição veio após a presidente do Palmeiras, Leila Pereira, sugerir que os clubes do país trocassem a Conmebol pela Concacaf (Confederação das Associações de Futebol da América do Norte, Central e Caribe).
A mandatária do alviverde fez a sugestão ao criticar a punição considerada excessivamente branda aplicada pela Conmebol ao Cerro Porteño, após torcedores do time paraguaio fazerem gestos imitando macaco em direção ao atacante Luighi, durante partida da Libertadores Sub-20.
A confederação aplicou uma multa de US$ 50 mil (R$ 285 mil) e determinou os portões fechados em jogos do Cerro no torneio, além de obrigar o clube paraguaio a realizar uma campanha de conscientização sobre o racismo nas redes sociais.
A presidente do Palmeiras não esteve presente no sorteio da Libertadores em Luque, no Paraguai, como forma de protesto contra as ações da Conmebol.
“Quando vi a declaração do presidente Alejandro Domínguez, confesso que custei a acreditar que ela fosse verdadeira. Achei até que pudesse ser um vídeo manipulado por Inteligência Artificial. Aliás, pensando bem, acho que nem mesmo a Inteligência Artificial seria capaz de produzir uma declaração tão desastrosa quanto esta”, afirmou Leila.
“Não é possível que, mesmo após o caso de racismo do qual os atletas do Palmeiras foram vítimas no Paraguai, o presidente da Conmebol faça uma comparação abominável como a que ele fez. Parece até uma provocação ao Palmeiras e aos demais clubes brasileiros”, criticou a dirigente.
Ela disse que o Palmeiras, juntamente com a Libra e a LFU [grupos que compraram os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro], enviou uma carta à Fifa (Federação Internacional de Futebol) pedindo providências e apontando a necessidade de penas mais rigorosas em episódios de racismo no futebol.
“A declaração do presidente Alejandro demonstra, mais uma vez, a dificuldade da Conmebol em compreender o que é racismo. Se as pessoas que comandam o futebol sul-americano nem sequer sabem o que é racismo, como serão capazes de combatê-lo?”, questionou a cartola.
Domínguez é paraguaio e foi reeleito presidente da Conmebol em 2022, com mandato até 2027.
Em discurso durante a cerimônia, ele chegou a falar em português ao condenar os atos de racismo na região. Reconheceu, porém, que as punições aplicadas são insuficientes.
“O racismo é um flagelo que não tem origem no futebol. Tem origem na sociedade, mas afeta o futebol. A Conmebol é sensível a essa realidade. Como podemos não ser sensíveis à dor do Luighi?”, disse o dirigente.
“A Conmebol aplica sanções e faz tudo o que está ao seu alcance para mudar essa realidade. Mas isso não é suficiente. Precisamos entender que o racismo está enraizado na sociedade e que o futebol, enquanto organização, está lutando com as ferramentas que estão ao seu alcance”, acrescentou.
Ele disse ainda que a confederação decidiu convocar autoridades dos governos de todos os continentes e as associações membro com o objetivo de “estabelecer uma atuação conjunta que permita responder de forma simultânea a qualquer expressão de discriminação e violência.”
Leda Maria da Costa, pesquisadora do Observatório Social do Futebol, da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), assinala que as declarações do dirigente demonstram seu despreparo para lidar com o tema, além de passarem um sinal preocupante sobre as ações que serão tomadas pela Conmebol no futuro para coibir práticas discriminatórias no meio esportivo.
“A atitude dele, mas também da Conmebol como um todo, de não tomar providências ou pensar em providências possíveis para minimizar os casos de racismo cada vez mais frequentes, dá amostras de que estamos diante de uma confederação que ainda não se atentou para a gravidade do racismo. Isso pode significar que vai demorar, de fato, para a Conmebol se preparar efetivamente para que haja uma minimização desses casos”, diz a pesquisadora.
Advogada do Ambiel Advogados e especialista em Direito Desportivo e Entretenimento, Mariana Araújo lembra que o código disciplinar da Fifa prevê em seu artigo 15 que qualquer pessoa que ofenda a dignidade ou integridade de um país, por meio de palavras ou ações discriminatórias ou depreciativas em razão de raça ou cor da pele, pode ser sancionada com suspensão de, no mínimo, dez partidas, ou um período específico a ser determinado.
No mesmo sentido, o código disciplinar da Conmebol estabelece que práticas discriminatórias podem resultar em suspensão de até quatro meses, e, em caso de reincidência, a proibição de exercer atividades relacionadas ao futebol por até cinco anos.
“Portanto, considerando os regulamentos das instituições, caso as declarações do presidente Alejandro Domínguez viessem a ser interpretadas como ofensivas à população brasileira, ele poderia ser sancionado. No entanto, avaliamos que, na prática, é pouco provável que tal medida seja aplicada”, disse Mariana.