Alguns dos 186 países que foram taxados na quarta-feira (2) pelo presidente americano, Donald Trump, possuem razões especiais para se sentirem ultrajados pelo tarifaço dos Estados Unidos. O caso das Ilhas Heard e McDonald, por exemplo, virou meme pelo fato de o território ser desabitado, abrigar somente uma colônia de pinguins e mesmo assim ter sido taxado em 10%.
É um exemplo extremo, mas há outros casos que ilustram a falta de nexo por trás do modelo de cálculo de tarifas aplicadas pelos EUA, como o de Lesoto, no sul da África, país do qual Trump já disse que “ninguém nunca ouviu falar” e que pagará tarifa de 50% apesar de estar entre as nações mais pobres do mundo.
O governo americano também optou por tarifar Nauru, o terceiro menor país do mundo, e Mianmar, que está lidando com as consequências devastadoras do grande terremoto do mês passado, em 45%. “Nunca vi ninguém calcular tarifas dessa maneira”, afirmou Ha-Joon Chang, economista da Soas em Londres, referindo-se ao que ele chamou de fórmula “bizarra” que chegava aos valores das tarifas com base no superávit ou déficit comercial de cada país com os EUA em 2024.
Entre os opositores de Trump, as tarifas impostas às ilhas Heard e McDonald viraram o símbolo do absurdo da guerra comercial global desatada pelo presidente dos Estados Unidos. “Os pinguins nos roubam há anos”, brincou na rede social X Anthony Scaramucci, o efêmero diretor de comunicação da Casa Branca durante o primeiro mandato de Trump, que desde então se tornou bastante crítico ao republicano.
DE LESOTO ÀS MALVINAS
Lesoto, conhecida como “a capital do denim da África”, construiu uma indústria têxtil em torno do acesso livre de tarifas aos EUA sob a Agoa (Lei de Crescimento e Oportunidades para a África), que foi introduzida em 2000 para impulsionar o desenvolvimento em países pobres.
O país africano teve um superávit comercial de US$ 235 milhões (R$ 1,34 bilhão) com os EUA em 2024, de acordo com o Representante Comercial dos Estados Unidos, com marcas como Levi’s, Wrangler, Footlocker e Timberland compondo a maior parte dessas exportações.
A ilha de Nauru, no oceano Pacífico, cuja economia tem enfrentado dificuldades desde o rápido esgotamento de seus depósitos de excrementos fossilizados de pássaros —um fosfato natural conhecido como guano, que já foi sua principal exportação— também está na relação, apesar de ter exportado apenas US$ 1,16 milhão em mercadorias para os EUA em 2023.
Exportações para os EUA de Nauru, anteriormente conhecida como Pleasant Island, agora terão uma tarifa de 30%. O Vaticano e Mônaco, os dois únicos países menores que Nauru, escaparam com a tarifa básica de 10%.
Entre outros países considerados como tendo travado uma “guerra econômica implacável” contra os EUA —a justificativa de Trump para tarifas recíprocas— estão as Ilhas Malvinas, uma dependência britânica que envia moluscos e filés não congelados para os EUA em quantidades aparentemente alarmantes o suficiente para atrair uma tarifa de 41%.
Outro país africano na mira de Trump é Madagascar, uma das nações mais pobres do mundo, com um PIB per capita de apenas US$ 506, de acordo com o Banco Mundial.
A ilha é a principal exportadora mundial de baunilha, uma cultura que precisa ser polinizada manualmente e só cresce bem em países tropicais. Madagascar exportou US$ 143 milhões (R$ 814,53 milhões) em baunilha para os EUA em 2023, de acordo com a OEC, o segundo maior item depois do níquel.
Com informações do Financial Times e da AFP