Kristian, um torcedor barbudo do Valerenga, permaneceu com uma postura desafiadora do lado de fora da Intility Arena em Oslo, Noruega.
“Não vamos desistir”, disse ele. “Queremos ser o primeiro país a remover essa doença. Então, outros países perceberão que o VAR pode ser derrotado.”
Era o primeiro fim de semana da temporada de futebol da Noruega, e dentro do estádio do maior clube de Oslo, a arquibancada onde os torcedores mais barulhentos do Valerenga se reúnem estava completamente vazia quando o jogo começou.
Milhares permaneceram do lado de fora, recusando-se a entrar até o marco de 15 minutos como parte de uma série de protestos coordenados envolvendo torcedores de todos os clubes da primeira divisão da Noruega, a Eliteserien, bem como outros da divisão inferior.
Era uma cena diferente na área dos visitantes, onde os torcedores do Viking estavam empregando outra tática para sinalizar sua hostilidade em relação ao sistema de árbitro de vídeo, que utiliza um árbitro assistindo aos replays da televisão longe do estádio para revisar decisões importantes em campo. Os torcedores do Viking ocuparam seus lugares, mas permaneceram em silêncio pelos primeiros 15 minutos.
Tudo o que se podia ouvir eram os gritos dos jogadores, um apito ocasional do árbitro ou o som da chuteira contra a bola. “Nei Til VAR!” dizia a faixa na arquibancada deserta. Tradução: “Não ao VAR!”
No dia anterior, com os picos nevados de Drammen visíveis à distância, a partida do Stromsgodset contra o Rosenborg deu início à nova temporada com um protesto silencioso próprio. Ambos os grupos de torcedores participaram. Sem músicas, sem aplausos —apenas quase silêncio até que o sinal chegasse após 15 minutos.
Os torcedores do Rosenborg se reuniram atrás de uma faixa —”NFF Máfia”— que deixava claro o que pensavam sobre a NFF (Federação Norueguesa de Futebol). Postes de luz do lado de fora do estádio foram decorados com adesivos que diziam “Hater VAR” (“odeio o VAR”).
“Nossos torcedores que são contra o VAR têm o direito de expressar seus sentimentos”, disse Alfred Johansson, gerente do Rosenborg. “É muito melhor assim —15 minutos de silêncio— do que outras formas de ação. Porque também sabemos como é quando um jogo tem que ser interrompido, ou até mesmo cancelado, por causa de protestos.”
Em julho do ano passado, o jogo do Rosenborg contra o Lillestrom foi interrompido quando torcedores jogaram bombas de fumaça, bolas de tênis e bolinhos de peixe no campo. Outros jogos na Eliteserien, composta por 16 times, foram alvo de maneiras semelhantes.
Nesta temporada, as torcidas organizadas decidiram que não interromperão ativamente os jogos, mas a indignação é real em um país onde os clubes de futebol são administrados por seus membros e muitos acreditam que o VAR foi implementado sem um processo de consulta adequado.
Os críticos acusam o sistema de revisão de ser pouco confiável e propenso a erros humanos, causando atrasos desnecessários; interrompendo o fluxo dos jogos; e, talvez pior de tudo, arruinando a alegria espontânea que o momento mais bonito do futebol —um gol— deveria trazer.
Em janeiro, os 32 clubes das duas principais divisões da Noruega votaram por 19 a 13 a favor de uma moção para “a descontinuação do VAR o mais rápido possível.”
O que parecia uma vitória histórica, no entanto, não levou a nenhuma mudança. Em vez disso, a NFF realizou uma assembleia nacional em 1º de março para seus 450 clubes membros, até o nível de base, e eles votaram por 321 a 129 contra a abolição da tecnologia. A indignação atingiu o auge desde então.
A reação contra o VAR pode ser sentida de várias maneiras nesta parte da Escandinávia. Um lembrete para Lise Klaveness, presidente da NFF, veio do lado de fora de sua casa em Nordstrand, um subúrbio ao sul de Oslo.
“Talvez eu tenha estacionado meu carro um pouco longe demais”, disse ela. “Alguém colocou um bilhete no meu para-brisa brincando sobre como meu carro estava estacionado e ‘precisa ir ao VAR’ para decidir o que fazer a respeito. Muito engraçado.”
Klaveness, advogada e ex-jogadora de futebol da Noruega, mudou sua opinião sobre o VAR ao longo dos anos.
“Eu não gostava do VAR quando ele foi introduzido”, disse ela. “Eu era comentarista na Rússia durante a Copa do Mundo de 2018, e foi a primeira vez que o VAR foi usado em um campeonato internacional. Foi perturbador. Não entendíamos, por que tínhamos que esperar tanto tempo por decisões. Parecia uma interrupção. As pessoas diziam que funcionava bem, mas essa não era a sensação que os jogadores e comentaristas tinham.
Os críticos da NFF acusaram a federação de ter sido abalada pela votação inicial contra o VAR e de ter encontrado uma maneira de contorná-la envolvendo equipes mais abaixo na pirâmide que nunca jogariam em uma partida usando o sistema. Acredita-se amplamente que esses clubes foram incentivados a votar de acordo com a preferência da NFF de manter a tecnologia.
Os protestos nacionais, segundo seus organizadores, foram para “aumentar a conscientização de que a democracia dos torcedores está sob ataque por forças antidemocráticas que querem tomar o controle do futebol norueguês.”
Klaveness construiu sua reputação como uma líder progressista que estava disposta a fazer perguntas difíceis à Fifa (Federação Internacional de Futebol) e à Uefa (União das Associações Europeias de Futebol), independentemente das consequências para si mesma, quando se tratava da Copa do Mundo no Qatar e do processo de candidatura para os torneios de 2030 e 2034. Agora, no entanto, alguns dos principais grupos e ativistas anti-VAR da Noruega estão se perguntando se a Uefa influenciou a decisão de continuar com a tecnologia. A acusação é que o órgão governante do futebol europeu pode ter pressionado Klaveness em um momento em que ela está sendo incluída no comitê executivo da Uefa.
Klaveness se sente incomodada com a sugestão.
“Rumores criam raízes”, disse ela. “Mas não têm raízes na verdade. Fomos à Uefa para perguntar quais argumentos eles tinham a favor ou contra o VAR, e eles foram claros que não queriam nos influenciar.”
Um grupo de trabalho liderado por Raymond Johansen, ex-prefeito de Oslo e ex-membro do conselho do Valerenga, realizou uma revisão de quatro meses dos pontos positivos e negativos do VAR. Segundo a NFF, muitos treinadores e jogadores confidenciaram que queriam manter a tecnologia, mas não ousaram dizer isso publicamente. Muitos torcedores expressaram o mesmo.
“Conversamos com muitas pessoas”, disse Klaveness. “Já ouvi a acusação de que ‘simplesmente não queríamos perder a discussão’. Não chega nem perto da verdade. É uma questão de democracia e, no final, ficou claro que a maioria silenciosa queria manter o VAR.”
Isso não vai convencer alguns dos manifestantes, que planejam novas ações coordenadas e exibiram faixas de protesto quando a seleção norueguesa jogou uma partida das eliminatórias da Copa do Mundo de 2026 na Moldávia.
No entanto, Klaveness, ao contrário de muitos dirigentes do futebol, é uma defensora apaixonada da liberdade de expressão. Ela também acredita no direito de protestar. “Não podemos nos voltar contra nossos torcedores; não podemos odiar o fato de eles estarem gritando”, disse ela. “Eles têm um argumento muito relevante.”
Ela também está determinada a enfrentar os manifestantes de frente. Dois dias antes da assembleia nacional, Klaveness esteve no Carls, um pub em Oslo, para se encontrar com 200 ativistas anti-VAR de todo o país. Será que ela conquistou a todos? Não, mas ela afirma que era importante “mostrar respeito e exigir respeito de volta”. Foi, segundo ela, “muito intenso”.
No entanto, também há uma reação contra a reação, e na terra de Erling Haaland e Martin Odegaard, os defensores do VAR estão se tornando cada vez mais vocais também.
Em novembro, o presidente do Fredrikstad, Jostein Lunde, pediu feedback aos membros do clube, que votaram por 70 a 65 a favor do VAR.
“Deixei bem claro que o VAR deve continuar”, disse Lunde. “Tentei ser uma voz forte a favor do VAR porque as pessoas que querem mudanças tendem a falar mais alto, enquanto as que não querem mudanças costumam ficar em silêncio. Recebi muitas críticas de diferentes torcedores. Mas a maioria silenciosa ficou em silêncio por muito tempo.”
E quanto aos jogadores? Eles querem que o VAR seja abolido?
“As opiniões são muito variadas”, disse Ole Selnaes, jogador do Rosenborg com 32 jogos pela seleção norueguesa. “Alguns querem, mas outros não. Consigo ver os dois lados. Sim, não funcionou perfeitamente, mas temos que lembrar que ainda estamos no começo. Para mim, seria estranho removermos o VAR se quase todo mundo na Europa o tem.”
O desafio para Klaveness é encontrar um caminho em meio a tudo isso quando, como ela mesma admite, é quase impossível alinhar as opiniões de todos. Não tem sido, disse ela, um “caso feliz”.
No final das contas, porém, ela disse que foi “o processo mais transparente do mundo.” Ela acredita que o VAR melhorou drasticamente desde sua criação e que o bom superará o ruim se as pessoas derem tempo.
“As pessoas em todo o mundo estão insatisfeitas com o VAR”, disse Klaveness. “Ninguém está dizendo que é perfeito. Mas melhorou muito.”