A desigualdade de renda entre gêneros está presente também entre MEIs (Microempreendedores Individuais) e, nesse segmento de trabalhadores, a receita de mulheres é cerca de 24% menor do que a de homens, segundo estudo realizado por economistas do Banco Central.
Na mediana, que é menos afetada por valores extremos, a receita de MEIs do gênero masculino foi de R$ 77,3 mil e do feminino a R$ 58,5 mil –disparidade de 32% a favor deles. Isso significa que, enquanto os homens arrecadam R$ 4, as mulheres arrecadam só R$ 3.
O estudo é de autoria de José Renato Ornelas, servidor do BC e professor da FGV-EPPG (Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getulio Vargas), e de Ana Luísa Normando, estagiária de pós-graduação do BC e estudante de mestrado em Economia na UnB (Universidade de Brasília).
Por ser uma pesquisa acadêmica, ela não reflete, necessariamente, a visão do Banco Central. Os autores buscaram, com essa análise, suprir uma lacuna de conhecimento no ramo do empreendedorismo. Na visão deles, identificar fatores que determinam a diferença de remuneração entre homens e mulheres pode auxiliar na elaboração de políticas públicas.
No levantamento de dados, a receita corresponde à soma de fluxos de recursos recebidos via Pix, cartão de débito, cartão de crédito e boleto. No cálculo, são considerados tanto os fluxos recebidos no CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica) das MEIs, quanto aqueles transferidos ao CPF (Cadastro de Pessoas Físicas) dos donos das microempresas.
Para estimar os rendimentos dos microempreendedores, os responsáveis pelo estudo coletaram dados de transações de todos os MEIs com registros ativos no Brasil durante o ano fechado de 2023. No total, foram observadas cerca de 5 milhões de MEIs, abrangendo 511 atividades econômicas (CNAEs), em 5.568 municípios.
A análise também considerou informações das pessoas físicas donas dessas MEIs, tendo em vista que, segundo levantamento do Sebrae-MG, 55% dos respondentes de uma pesquisa disseram utilizar a mesma conta para movimentar finanças pessoais e as da empresa. Nesse grupo, 49% afirmaram utilizar a conta de pessoa física.
Casos identificados como de “pejotização”, por outro lado, não entraram na conta dos economistas. Esse é o caso de trabalhadores que atuam como pessoa jurídica para prestar serviços a uma outra empresa, fenômeno que tem crescido nos últimos anos no mercado de trabalho brasileiro.
Apesar de reconhecer que a estimativa de receita apresenta limitações que têm o efeito de subestimar ou superestimar o valor efetivo, Ornelas pondera que qualquer imprecisão é a mesma para homens e mulheres. Ou seja, não afeta as conclusões do estudo.
A partir dos dados, os economistas vinculados ao BC observaram que homens e mulheres acabam se concentrando em setores de atividade diferentes e que as áreas majoritariamente compostas por força de trabalho feminina possuem rendimentos menores.
Proporcionalmente, em atividades com mais de 100 mil MEIs, o setor que apresenta maior concentração de microempreendedoras mulheres é o de “atividades de estética e outros serviços de cuidados com a beleza”, com 96,6% de ocupação feminina. Nesse caso, a receita média anual é de R$ 78 mil, e a mediana, R$ 57 mil.
Já o setor com maior participação de microempreendedores homens é o de “obras de alvenaria”, com 94,7% de ocupação masculina. O valor da receita média anual é consideravelmente maior que o do caso feminino, de R$ 116 mil. Na mediana, ele corresponde a R$ 78 mil.
Numericamente, a atividade econômica (CNAE) formada por maior quantidade de mulheres é a de “cabeleireiros, manicure e pedicure”, com receita média anual de R$ 71 mil. No caso dos homens, a área de “transporte rodoviário de carga” lidera e, em contraste, possui receita média anual no valor de R$ 101 mil.
“Parece ser algo cultural, de estereótipos de funções de homens e mulheres. A mudança também chega muito na parte de escolha educacional. No trabalho formal também tem isso de profissões tipicamente de mulheres e de homens”, afirma Ornelas.
Os autores reconhecem que uma limitação do estudo é a falta de informação sobre as horas trabalhadas pelos microempreendedores. Isso tendo em vista o impacto do papel que as mulheres assumem dentro de suas famílias, com serviços domésticos e cuidado com os filhos, por exemplo, na atuação delas no mercado de trabalho.
“É possível que parte do diferencial salarial possa ser explicado pelo número maior de horas trabalhadas pelos homens, uma vez que as mulheres podem estar mais ocupadas com trabalhos da economia do cuidado comparativamente aos homens”, diz a dupla.
Apesar da ressalva, os responsáveis pelo estudo consideram que seja improvável que as eventuais horas adicionais dedicadas ao trabalho formal pelos homens expliquem integralmente a diferença de receita estimada entre homens e mulheres.
Os autores buscam agora aprofundar o estudo comparando a disparidade salarial do mercado formal com o diferencial de receita dos MEIs, considerando os mesmos indivíduos.
A ideia, segundo Ornelas, é incluir futuramente uma nova variável, a da educação formal das mulheres, nessa análise. Isso porque outros estudos sugerem que, um alto nível de escolaridade não garante às mulheres maior renda. Assim, a expectativa dele é que a disparidade de renda entre gêneros por meio desse recorte seja ainda maior.