O governo do Pará organiza nesta sexta-feira (11) um leilão de saneamento básico para 126 das 144 cidades do estado. O certame, dividido em quatro blocos, deve ter a participação da gigante Aegea, além de Azevedo e Travassos, Servpred e Consórcio Eldorado –que pode incluir a Norte Saneamento, já operante no Pará.
Essas empresas participarão da concorrência de três blocos, incluindo o da capital Belém. Um quarto bloco não atraiu o interesse das companhias, segundo o próprio governo.
Ao todo, o governo paraense estima um investimento de R$ 18,8 bilhões para universalizar o abastecimento de água limpa e a coleta e tratamento de esgoto no estado até 2033 e 2039, respectivamente. Apenas 55% do estado recebe água limpa em casa e 9,2% tem esgoto coletado.
Hoje, esses municípios são atendidos por serviços autônomos ou pela Cosanpa, a companhia estadual de saneamento. O leilão engloba apenas as áreas urbanas das 126 cidades, e as rurais ainda ficarão a cargo da Cosanpa.
Os blocos que receberam ofertas são os que mais atrairão investimento, somando pouco mais de R$ 15 bilhões. Eles incluem cidades importantes para a receita do estado, como a capital Belém e as mineradas Canaã dos Carajás, Parauapebas e Marabá.
O bloco A, que inclui Belém e cidades ao redor, deve ser o mais concorrido –o governo estima que ele sozinho atraia R$ 6 bilhões em investimentos. O grupo de municípios reúne 2,4 milhões de pessoas (um terço da população do estado) e tem a maior densidade populacional entre os blocos ofertados (27 habitantes por km², considerando toda a área municipal, inclusive rural).
Até por isso, ele tem regras próprias. A concessionária que adquirir esse bloco, por exemplo, precisará garantir a universalização do abastecimento de água limpa e de coleta e tratamento de esgoto até 2033 –nos demais blocos, a segunda exigência é para 2039.
Também é esperada concorrência no bloco B, segundo quem acompanha o mercado. O bloco, que reúne 50 municípios, tem a segunda maior densidade populacional dos quatro blocos (20 habitantes por km²). Esse fator é importante porque quanto maior a densidade populacional, menor tende a ser o investimento por consumidor.
A baixa densidade populacional do bloco C foi, aliás, um dos fatores que contribuíram para a falta de interesse das empresas do setor, segundo Mauricio Portugal Ribeiro, sócio do Portugal Ribeiro & Jordão Advogados e colunista da Folha. Entre as cidades do bloco estão Santarém e Altamira.
Considerando as áreas rurais e urbanas dos municípios, a densidade do bloco C é de 2 habitantes por quilômetro quadrado. Como, no entanto, o leilão abrange apenas a parte urbana dos municípios, a densidade é maior. A Folha pediu a densidade apenas das áreas leiloadas, mas o governo não enviou.
Em comparação, o bloco que não atraiu interesses no leilão do Rio de Janeiro em abril de 2021 tinha 743 habitantes por quilômetro quadrado.
“Geralmente, para se remediar esse problema se adota o subsídio cruzado; ou seja, o estado concede uma área que o concessionário certamente não vai conseguir lucrar com uma outra área que é extremamente superavitária”, diz Ribeiro. No certame do RJ, por exemplo, o governo incluiu mais municípios em um bloco depois de não receber ofertas. Mas no leilão do Pará, isso não foi feito, segundo quem acompanhou as preparações do edital.
Outro fator que tende a reduzir o interesse das empresas é a qualidade dos dados disponíveis sobre saneamento na região. Isso porque, assim como nos demais certames, o edital do leilão de sexta estipula metas para as empresas vencedoras com base em dados atuais aferidos pela companhia de saneamento.
Esses dados, no entanto, tendem a ser diferentes da realidade encontrada pelas empresas.
“Um dos maiores riscos desse projeto de saneamento para o concessionário é o risco dos dados de partida informados no edital serem muito diferentes dos da prática”, diz Ribeiro. Isso pode impactar, por exemplo, os índices de perda de água, o cadastro de clientes e a cobertura de abastecimento –informações fundamentais para que as empresas calculem a viabilidade econômica da concessão.
“O problema não é a falta de dados, porque essa é a realidade do Brasil; o problema é não saber que esses dados não são confiáveis. E um jeito de trabalhar isso é alocar esse risco ao poder concedente”, afirma Ribeiro.
No leilão do Pará, o governo estipulou que o concessionário assumirá o risco se a diferença nos dados de cobertura for até de 15% –se a discrepância for maior, o estado assumirá os custos de um reequilíbrio do contrato.
“Na nossa modelagem, a gente não prevê aumento tarifário; a gente prevê manutenção. Mas os pedidos de reequilíbrio podem acontecer e uma prevenção do governo do estado é a criação de fundo de estabilidade tarifária, para que caso haja pedido de reequilíbrio isso não afete o consumidor”, afirma Ricardo Sefer, procurador-geral do Pará. Esse fundo será abastecido com 10% da outorga mínima de cada bloco, o que dá R$ 150 milhões.
Sefer defende, no entanto, que a falta de dados exatos não foi o que afugentou as empresas do bloco C. “O Pará é um estado da Amazônia com particularidades e isso naturalmente gera desafios porque é muito fácil ver um paraense com um curso de água muito próximo de casa, mas o desafio é como interagir com essa água”, diz.
“Mas a falta de dados é uma realidade do Brasil; estimo te dizer que nem nos países avançados em saneamento eu os dados tenham precisão de 100%”, diz.