Até 2008, quando a extração de palmito juçara foi definitivamente proibida no Brasil, a palmeira pupunha (Bactris gasipaes) era conhecida basicamente pelas populações da região amazônica, onde seus frutos são bastante consumidos. Mas um mercado gigante se abriu desde então.
Um dos maiores consumidores de palmito do mundo, o Brasil foi obrigado a voltar sua atenção para a palmeira pupunha, planta nativa da América Central que já vinha sendo introduzida, em caráter experimental, entre o Paraná e o sul de São Paulo.
Vantagens havia de sobra. Para os produtores, a rentabilidade aumentou e o serviço ficou mais fácil. “Quem cortava 150 hastes de juçara por ano, e levava dias para colher e transportar, porque as palmeiras ficavam em lugares de difícil acesso no meio da mata, passou a tirar até 4.000 hastes anuais de pupunha, de lavouras que ficam do lado de casa”, compara Sebastião Bellettini, do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR).
Para o mercado consumidor, também foi um bom negócio. Enquanto o palmito juçara oxida rapidamente depois de cortado e só pode ser comercializado em conserva, o palmito pupunha aceita diferentes cortes e pode ser vendido in natura.
Os ex-extrativistas embarcaram na novidade, mas o setor continuou estacionado no passado. A maioria continuou apostando na fórmula do passado: a conserva.
O número de microindústrias de beneficiamento explodiu, sobretudo no Vale do Ribeira, o principal polo produtor paulista —a estimativa é que cerca de 60 delas operem na região, mas muitas se mantêm na informalidade.
Para não ficarem dependentes das indústrias maiores, que muitas vezes jogam o preço lá embaixo, alguns montaram a própria fabriqueta. Foi o que aconteceu com a família de Lucas Carlini, 34, que planta palmeira pupunha em Sete Barras (SP), no Vale do Ribeira, desde 2005.
“No início, a gente não planejava ter indústria, mas a maioria dos beneficiadores tem uma mentalidade antiga, que não valoriza o produtor. Durante a pandemia, pagaram tão pouco que muita gente deixou de adubar a roça e houve quebra da safra”, lembra.
A família entendeu que verticalizar seria o caminho e, em 2023, inaugurou a indústria Terra Garrida. Os palmitos pupunha da própria lavoura, com 80 mil pés, respondem por 40% da produção, enquanto o restante vem de vizinhos. Segundo Carlini, a remuneração acima do mercado faz com que haja fila de palmiteiros querendo virar seus fornecedores.
“Como cobro mais por determinados produtos, é justo que a remuneração dos produtores também seja discriminada”, justifica.
Por mês, a Terra Garrida processa 12 toneladas de pupunha. A linha fresca e em conserva inclui cortes idealizados para o mercado gastronômico, como espaguete, lasanha e arroz de palmito. Com esse tipo de produto, Carlini chega a restaurantes e empórios de alto padrão da capital.
A linha in natura, valorizada pelos chefs de cozinha, é a mais melindrosa —tem validade de pouco mais de uma semana e exige cadeia de transporte 100% refrigerada, o que a Terra Garrida garante com frota própria.
Moradora de Iporanga, também no sul de São Paulo, Anna Gabriella Rodrigues tem uma lavoura de 100 mil pés e encontrou outro caminho para agregar valor ao palmito pupunha: o agroturismo.
Sua primeira estratégia, vender palmitos in natura para clientes da capital, naufragou pela logística. “Estou a 300 km de São Paulo. A gente vendia bem, mas a validade de uma semana gerava muito descarte”, lembra. Quando veio a pandemia e os amigos passaram a visitá-la para comprar as hastes, surgiu a ideia de abrir a porteira de vez.
“Minha mãe preparou um bombocado usando pupunha no lugar do coco, que fez muito sucesso. Passamos a testar várias receitas e hoje fazemos parte do programa Rotas Gastronômicas SP, do governo estadual”, ela conta.
Rodrigues continua fornecendo até 2.500 hastes de pupunha por semana às fábricas da região. Mas o turismo, que consome 40% da produção, já responde por 50% do faturamento —em janeiro de 2025, 200 pessoas fizeram a experiência.
Cada visitante paga R$ 120 para visitar a propriedade e fazer uma refeição, almoço ou jantar, toda à base de pupunha. Tem até romeu e julieta vegano, com palmito no lugar do queijo.
O palmito pupunha é tão versátil que já tem startup explorando os resíduos que sobram da produção. “Da palmeira, somente 3% são usados, o restante é jogado fora ou, no máximo, usado como adubo. Foi aí que percebi uma oportunidade”, conta o analista de sistemas Guilhermo Queiroz, fundador da Biosolvit.
Ele começou com o lançamento do xaxim de palmeira, linha de vasos para jardinagem doméstica, mas acabou indo muito além —um dos braços da empresa usa as fibras descartadas para absorver óleo em acidentes ambientais e até para tratar água.
Por mês, a Biosolvit processa 70 toneladas de rejeitos e, segundo Queiroz, a empresa cresceu 58 vezes em cinco anos. “Estamos só começando. O projeto é criar demanda, ganhar volume e escalar.”