André Czitrom, CEO da Magik JC, já estava interessado em investir na zona central de São Paulo antes mesmo de isso estar na moda para construtoras e incorporadoras. Para vice-presidente de legislação urbana do Secovi (sindicato que representa o mercado imobiliário paulista), Ricardo Yazbek, a tendência é uma “unanimidade.”
“Não acredito que tenha alguém contra”, afirma.
Empresas do setor elencam projetos nos oito distritos sob o guarda-chuva da subprefeitura da Sé por um motivo fundamental: os incentivos fiscais oferecidos pela Prefeitura da capital.
Os benefícios podem ser descontos ou isenção de outorga (o ato de transferência do imóvel), a depender da região do centro; isenção do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) por três anos após reformas; isenção do ISS (Imposto Sobre Serviços); isenção do ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis) e taxas municipais por cinco anos; e subvenção para habitação social. A maioria está dentro do programa Requalifica Centro, que estabelece parâmetros para a requalificação de prédios antigos.
A Folha questionou a Prefeitura de São Paulo sobre qual o valor total das renúncias fiscais, considerando todos os benefícios. Não houve resposta até a publicação deste texto.
“Foram fatiados [os incentivos] em diversas leis e decretos, o que tornou mais exequível. Antes era tudo muito grande e difícil de tramitar e aprovar”, diz André Czitrom, que atua na região central desde 2015 e tem, entre prédios prontos, em obras ou projetados, 30 empreendimentos.
“Os benefícios são determinantes. Não é que o centro só vai melhorar se tiver isso, mas é a faísca. Um carro pesado precisa de um empurrão. O centro não vai mudar com pequenos incentivos”, diz.
No período pós-pandemia de Covid-19, a prefeitura aumentou em 567% o número de apartamentos aprovados para construção na zona central. Passou de 5.681 em 2021 para 32.257 em 2024, segundo a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento. Foram 76.495 unidades nesses quatro anos.
As empresas ativas saltaram de 301.550 (em 2021) para 354.955 no ano passado.
“Havendo continuidade dos projetos como uma política de estado, em médio prazo estaremos colhendo os frutos”, afirma Ricardo Yazbek.
A zona central engloba os bairros Bela Vista, Bom Retiro, Cambuci, Consolação, Liberdade, República, Sé e Santa Cecília.
“É o único lugar na cidade em que a gente tem um mix de renda importante. Há empreendimentos sociais e imóveis de alto padrão”, diz o arquiteto Marcelo Falcão, diretor de desenvolvimento e novos negócios da Somauma, especializada em regenerar edifícios subutilizados ou vazios no centro.
Também para aproveitar os incentivos econômicos oferecidos, a companhia tem projetos habitacionais para o chamado triângulo histórico do centro.
“Temos pesquisado e não vimos nenhum lançamento habitacional [no local] nos últimos 50 anos”, diz Falcão, em referência ao recorte do centro onde estão construções históricas, como o largo São Bento, Pateo do Collegio e o largo São Francisco.
Para o Secovi, o baixo estoque de novos apartamentos é um dos fatores para o interesse na zona central. Em média, 85% das unidades são vendidas ainda na planta. Em alguns empreendimentos, todas se esgotam antes de as obras serem concluídas.
Os compradores são solteiros e jovens casais atraídos pela infraestrutura —com transporte público farto e proximidade a centros culturais—, além de haver um forte público investidor, interessado na alta demanda por locação de curta permanência, como é o caso do modelo do Airbnb.
“Queremos cerca de 200 mil novos moradores no centro para impulsionar a economia da região. No ano passado, colocamos R$ 1 bilhão para os incentivos. O dinheiro é liberado conforme os projetos são aprovados. A tendência é o centro atrair pessoas jovens e vemos que são moradias com menos metros quadrados. É difícil vender um apartamento de 400 metros quadrados na região”, afirma Elisabete França, secretária de Urbanismo e Licenciamento da Prefeitura de São Paulo.
Não que tudo seja tão fácil assim. Para apostar no centro, os incorporadores enfrentam uma equação espinhosa: a necessidade de oferecer preços competitivos para atrair compradores à região que ainda enfrenta questões de segurança pública, como a cracolândia, e os custos elevados da aquisição de terrenos —um dos grandes entrave para a expansão imobiliária no centro de São Paulo.
Para fechar a conta, afirmam, é preciso estreitar a margem de lucro e negociar, oferecendo muitas vezes a permuta de terrenos por apartamentos no futuro empreendimento.
“Levei 15 anos para comprar o primeiro terreno no centro. E comprei o segundo quase 20 anos depois que fiz a minha primeira tentativa. Diferentemente do que pensava quando comecei a minha incursão ao centro, tive que me dedicar muito na busca, porque são poucos terrenos, a maioria está nas mãos de famílias tradicionais que nem lembram que os têm, e são pequenos”, afirma Antônio Setin, presidente da Setin Incorporadora.
“Um dos terrenos eu só consegui comprar quando a herdeira faleceu, e a família decidiu vender. É um processo lento e de convencimento”, diz.
Hoje, a Setin Incorporadora tem cerca de 3.000 unidades habitacionais no centro da capital, com preços médios de R$ 12 mil o metro quadrado para imóveis de médio e alto padrão e entre R$ 8.000 e R$ 9.000 o metro quadrado de unidades destinadas a uma renda menor.
“No centro, um bairro é totalmente diferente do outro. O preço do metro quadrado do terreno varia, mas estamos em um gatilho de transformação. A gente lança [no centro] imóveis no mesmo preço do extremo leste [da capital]. Vendemos [o apartamento] a partir de R$ 195 mil. De modo geral, o comprador é mais jovem, aquele que compra seu primeiro apartamento”, diz André Czitrom.
Para Setin, a tendência é que o mercado responda melhor nos próximos anos, quando as intervenções do poder público ficarem mais visíveis e houver um trabalho de zeladoria mais efetivo. Já a chave para acelerar a transformação do centro está na criação de incentivos mais agressivos.
“Se quisermos uma mudança significativa, digna de um político ser lembrado por causa disso, precisamos de isenções temporárias e incentivos em potencial construtivo. É isso que move o espírito do empreendedor. Eu preciso vender rápido para pagar o banco”, conclui.