Senador da República e presidente do América-RJ, Romário, 59, decidiu arranjar tempo para exercer mais uma atividade: entrevistador de boleiro ou ex-boleiro.
Seu programa, disponível no YouTube, chama-se De Cara Com o Cara. “O cara” é ele mesmo, o Baixinho, que, sem nenhuma humildade, assim se denomina. E, convenhamos, por tudo o que fez no futebol, pode ser considerado “o cara”.
Não assisti ao programa inicial, no qual Romário falou com Neymar, mas vi o segundo, no qual o maior nome na conquista pelo Brasil da Copa do Mundo de 1994, nos EUA, recebeu em sua casa o maior nome da conquista brasileira na Copa de 2002 (Coreia do Sul e Japão), Ronaldo, apelidado Fenômeno.
Em cerca de uma hora, Romário fez questionamentos diversos ao interlocutor, sobre a evolução da carreira, o problema de saúde horas antes da final da Copa da França-1998, a decepção de não ter atuado pelo Flamengo, o desejo de ser presidente da CBF.
É também uma entrevista com vários momentos de descontração, e o que mais me divertiu foi quando Ronaldo, 48, teve de eleger os piores jogadores com quem atuou, tanto nos clubes como na seleção.
“Tem muito”, começou, para, após pensar um pouco, eleger dois, ambos volantes: Gravesen, colega de Real Madrid em 2005 e 2006, e Amaral, que chegou à seleção brasileira em 1995, convocado por Zagallo.
“Era piada o Gravesen. Era um cara legal, gente boa, mas no futebol ele era muito ruim. Ele marcava, dava porrada, mas…”, disse Ronaldo sobre o dinamarquês.
“Teve gente também”, prosseguiu, em meio a risos, referindo-se a ex-companheiros de seleção. “O Amaral era doído com a bola.”
São dois exemplos, os mencionados pelo Fenômeno, de atletas de escassa qualidade técnica. Chamados também de “perna de pau”, expressão consagrada, ou de “grosso”, palavra que eu ouvia muito quando garoto mas que ouço pouco atualmente.
São aqueles futebolistas que o torcedor, inclusive você, leitor, considera triste de ver jogar. Que despertam momentos de descrença, de raiva, de inconformismo, de tristeza, de angústia. Jogadores “de amargar”.
Por qualquer time passaram centenas de atletas assim. Não apenas os clubes pequenos, mais modestos, os escalaram. Os grandes também.
Para ficar nas maiores torcidas do Brasil, os flamenguistas tiveram, por exemplo, apreço mínimo pelo atacante Val Baiano, pelo goleiro Alex Muralha, pelo meia Walter Minhoca e pelo zagueiro Welinton.
Entre os corintianos, não deixam saudades o goleiro Johnny Herrera (chileno), os zagueiros Zelão e Guinei, o meia Defederico (argentino) e o atacante Finazzi.
Torcedores do Palmeiras sofreram com os zagueiros Jeci e Gladstone, com o volante Jumar e com o meia-atacante Rosembrick. Os do São Paulo, com os zagueiros Lucão, Xandão e Paulão (apelidado de Desmaio, por ter desmaiado em sua apresentação), com o volante Carabali (equatoriano) e com o a atacante Pablo.
De fato, todos horríveis –ou sempre, ou no período em que estiveram nessas equipes.
Faço, contudo, uma defesa dos pernas de pau.
Sem eles, o futebol teria muito menos graça. Não haveria aquele gol incrível perdido, não haveria aquele drible humilhante levado. Não existiriam as caneladas, as furadas, as tropeçadas, as pisadas na bola.
Os pernas de pau, por irritantes que sejam, são salutares para o esporte, pelo pitoresco e pelo grotesco.
Eles estão enraizados na memória coletiva e desse modo podem ser considerados, sem ironia, patrimônio histórico do futebol.