O presidente dos EUA, Donald Trump, demitiu os dois integrantes da Comissão Federal de Comércio (FTC, na sigla em inglês), que são ligados ao Partido Democrata, oposição ao governo, nessa terça-feira (18). A medida foi uma afronta à tradicional independência do órgão regulador e pode abrir caminho para a agenda do governo.
A Casa Branca informou aos democratas Rebecca Kelly Slaughter e Alvaro Bedoya que o presidente estava destituindo a dupla dos cargos. A FTC, que aplica leis de proteção ao consumidor e antitruste, normalmente tem cinco membros, com o partido do presidente ocupando três assentos e o partido oposto, dois.
Os membros da FTC e de outros conselhos reguladores independentes são protegidos contra exclusão baseado em um precedente da Suprema Corte de 1935 que diz que o presidente não pode demiti-los apenas por discordâncias políticas. Slaughter e Bedoya disseram que planejam contestar a decisão de Trump na Justiça.
“Hoje o presidente me demitiu ilegalmente do meu cargo de comissária de comércio federal, violando o estatuto e o claro precedente da Suprema Corte”, afirmou Slaughter, que Trump nomeou para a FTC durante seu primeiro mandato em 2018. “Por quê? Porque eu tenho uma voz. E ele tem medo do que eu vou dizer ao povo americano”, complementou a ex-dirigente.
Em uma entrevista, Bedoya, que se tornou comissário há três anos, disse estar preocupado que uma FTC sem independência do presidente estaria sujeita aos caprichos dos aliados do mundo dos negócios de Trump.
“Quando as pessoas ouvirem essa notícia, elas não devem pensar em mim”, disse ele, antes de completar. “Elas devem pensar nos bilionários por trás do presidente em sua posse.”
As demissões são a mais recente tentativa de Trump de afirmar o poder da presidência sobre reguladores independentes em agências dentro do governo dos EUA, incluindo aquelas que o Congresso estabeleceu para serem independentes do controle direto da Casa Branca. Embora os reguladores sejam nomeados pelo presidente, muitos deles tradicionalmente têm ampla liberdade para determinar a direção de suas agências.
Mas o governo Trump desconsiderou o que era habitual. “Estou escrevendo para informá-lo de que você foi removido da Comissão Federal de Comércio, com efeito imediato”, dizia uma carta enviada a um dos comissários, que foi obtida pelo The New York Times. “Seu serviço contínuo na FTC é inconsistente com as prioridades da minha administração.”
O presidente republicano da FTC, Andrew Ferguson, disse em um comunicado na terça-feira que a agência continuaria protegendo os consumidores e apoiou a autoridade de Trump para demitir os comissários.
“O presidente Donald J. Trump é o chefe do Poder Executivo e está investido de todo o Poder Executivo do nosso governo”, comentou Ferguson. “Não tenho dúvidas sobre sua autoridade constitucional para remover comissários, o que é necessário para garantir a responsabilidade democrática do nosso governo.”
As demissões seguiram uma ordem executiva de Trump no mês passado que buscava maior autoridade sobre a FTC, a Comissão de Valores Mobiliários, a Comissão Federal de Comunicações e o Conselho Nacional de Relações Trabalhistas.
“O presidente Trump tem a autoridade legal para gerenciar o pessoal dentro do Poder Executivo”, apontou Taylor Rogers, porta-voz da Casa Branca. “O presidente Trump continuará a livrar o governo federal de maus atores desalinhados com sua agenda de bom senso pela qual o povo americano votou decisivamente.”
A ordem exigia que as agências independentes submetessem seus regulamentos propostos à Casa Branca para revisão, afirmava um poder para impedir que tais agências gastassem fundos em projetos ou esforços que conflitassem com as prioridades presidenciais, e declarava que elas devem aceitar a interpretação da lei pelo presidente e pelo Departamento de Justiça como vinculativa.
Em janeiro, Trump demitiu Gwynne Wilcox, uma democrata que estava no NLRB (agência de regulação de relações do trabalho). Ela processou para contestar sua demissão, e um juiz a reintegrou no início deste mês. O governo apelou dessa decisão.
O Departamento de Justiça não planeja mais defender como constitucional o precedente da Suprema Corte sobre demitir reguladores apenas por justa causa, de acordo com uma carta de 12 de fevereiro que a procuradora-geral interina, Sarah Harris, enviou ao senador Dick Durbin. A análise do departamento se aplica à FTC, ao NLRB e à Comissão de Segurança de Produtos de Consumo, de acordo com a carta, que foi noticiado pela primeira vez pela agência de notícias Reuters.
A carta enviada a um dos comissários da FTC em nome de Trump na terça-feira reiterou essa posição. As proteções da Suprema Corte não se aplicam “aos principais oficiais que lideram a FTC hoje”, dizia a carta.
Rebecca Haw Allensworth, professora da Faculdade de Direito de Vanderbilt que estuda legislação antitruste, disse que a FTC foi estabelecida como uma agência independente em 1914 “com a teoria de que a proteção ao consumidor e os vários objetivos da FTC eram melhor abordados por meios menos políticos.”
“Se introduzirmos a ideia de contratações e demissões políticas lá, isso serve para realmente minar tanto as coisas que a FTC pode fazer quanto sua legitimidade como uma instituição bipartidária”, analisou Rebecca.
Executivos corporativos e seus conselheiros estão observando de perto a direção da FTC com Ferguson, na presidência. Durante o governo Biden, a agência reguladora entrou com processos para bloquear fusões corporativas, puniu agressivamente empresas por falhas de privacidade de usuários e entrou com uma ação abrangente acusando a Amazon de espremer pequenas empresas.
Além disso, o FTC deve enfrentar o Meta em um julgamento em abril, avaliando a estratégia da empresa de mídia social em adquirir o Instagram e o WhatsApp para consolidar seu domínio.
Slaughter e Bedoya votaram consistentemente a favor de ações para conter o poder dos gigantes da tecnologia.
Depois que Trump nomeou Slaughter para a comissão majoritariamente republicana em 2018 para preencher um mandato sem prazo, Joe Biden a nomeou para um mandato completo de sete anos em fevereiro de 2023. Ela anteriormente serviu como conselheira-chefe do senador Chuck Schumer, o atual líder da minoria, e liderou seu trabalho no Congresso sobre legislação de telecomunicações e tecnologia.
Bedoya, ex-chefe de um centro de tecnologia e privacidade na Universidade de Georgetown e assessor do Senado, juntou-se à FTC em maio de 2022 após ser nomeado por Biden.
Ele disse que soube da decisão de Trump quando recebeu uma ligação de Slaughter, enquanto estava na aula de ginástica de sua filha.
“Ele está tentando me demitir”, comentou Bedoya. “Ainda sou um comissário da FTC, e vou ao tribunal para garantir que isso fique claro para todos.”
A senadora Amy Klobuchar chamou as demissões de “ultrajantes” e “ilegais”, e alertou que as ações prejudicariam os consumidores. As ordens de 2023 da agência sobre práticas como taxas ocultas e desnecessárias resultaram em um retorno de US$ 330 milhões aos consumidores, afirmou Amy.
“Desmantelar ilegalmente a comissão irá empoderar fraudadores e monopolistas, e os consumidores pagarão o preço”, disse a senadora, que atua no subcomitê de antitruste e direitos do consumidor do Senado.