A guerra comercial entre China e Estados Unidos pode piorar muito. A retaliação chinesa é facilmente explicada por teoria dos jogos, ramo da microeconomia que estuda comportamentos estratégicos.
A essência da Organização Mundial do Comércio é resolver um problema de coordenação que pode ser descrito pelo modelo mais simples de teoria dos jogos, o dilema dos prisioneiros.
Resumindo bastante. Dois acusados são colocados em celas separadas e lhes são dadas duas opções: confessarem um crime ou manterem-se calados. A pena de um depende do que o outro fizer. Se ambos ficarem calados, ficam presos por alguns meses mas acabam soltos por falta de provas. Se confessam, pegam alguns anos de cadeia. Mas a chave é o que acontece quando um confessa e o outro não. Quem dedurou sai livre e o outro é sentenciado a ficar décadas enjaulado. O resultado racional do jogo é que confessar é sempre a melhor estratégia. Se um confessa e o outro não, sai livre. Se dedura e o outro também, pega alguns anos em vez de décadas.
O dilema dos prisioneiros é um exemplo de como a coordenação em certas situações pode melhorar o resultado para todos, mas é difícil de ser implementada. É também por isso que existe teoria econômica antitruste: não podemos deixar empresas se cartelizarem, pois senão elas ferram os consumidores.
No caso de comércio internacional, protecionismo é o equivalente a confessar. Mas há uma diferença. A razão não é econômica, mas política. Sabemos que tarifas baixas, mesmo que unilaterais, são melhores que tarifas altas. Mas é algo politicamente difícil, pois setores afetados sempre vão fazer lobby contra abertura. “Comércio livre é ótimo, desde que para os outros setores.” Protecionismo é jogo político, não econômico.
É aí que entra a OMC, criada para que países pudessem coordenar suas ações multilateralmente: é mais fácil descartar pressões setoriais quando se desenham acordos globais.
Trump está jogando a estrutura mundial de comércio para o alto. O resultado é uma corrida protecionista, com cada país colocando tarifas mais altas para dar satisfação política interna, mesmo perdendo economicamente.
Normalmente chega-se a um equilíbrio rapidamente, pois as perdas começam a pesar demais com cada imposição de nova barreira comercial. Mas é aí que os chineses podem ter cometido um erro. Trump não parece movido à racionalidade mercantilista, seja política, seja econômica. Ele pode querer simplesmente punir os países que julga estarem se aproveitando dos EUA. É como se um acusado começasse a confessar crimes que não cometeu só para ferrar o comparsa, pouco se importando se isso significar prisão perpétua para ambos.
Então reagir pode não fazer sentido. Se a ameaça de um Calígula tornar seu cavalo Incitatus um senador é crível, é melhor deixá-lo fazer, porque é tão ilógica que vai ser revertida pelo próximo imperador. Trump vai sair em quatro anos e a recessão criada por suas políticas vão torná-las insustentáveis. Qualquer novo presidente vai retirar as honras conferidas a um equino.
Mas egos importam. Se os chineses quiserem parecer fortes, mesmo que isso seja besteira, veremos rodadas tarifárias mais absurdas. Que vão destruir a economia mundial. Irracionalmente. Como cavalos senadores contemporâneos.
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