Violência doméstica é um crime frequente no Brasil e no mundo. Segundo a Organização Mundial de Saúde, em 2018, 30% das mulheres ao redor do mundo já sofreram algum tipo de violência doméstica ou sexual. No Brasil, uma pesquisa do instituto DataSenado encontrou que, em 2023, 30% das brasileiras já haviam sofrido algum tipo de violência doméstica. Dentre essas mulheres, 89% haviam sofrido violência psicológica, 76% haviam sofrido violência física e 25% haviam sofrido violência sexual. As vítimas mais comuns são mulheres de menor renda e maior vulnerabilidade social. Por exemplo, 35% das brasileiras que ganham até dois salários mínimos já haviam sofrido algum tipo de violência doméstica em 2023.
Um crime tão frequente necessita de atenção especial do Estado e da sociedade. Ademais, diferentemente de outros crimes (tráfico ou furto, por exemplo), casos de violência doméstica ocorrem frequentemente dentro de lares e envolvem consequências psicológicas severas. Por essa razão, o combate à violência doméstica exige políticas públicas específicas. Neste texto, discutiremos três dessas políticas: Lei Maria da Penha, Varas Especializadas em Violência Doméstica e a capacitação de juízes para lidar com esses crimes.
Ferraz e Schiavon avaliam os efeitos da Lei Maria da Penha sobre feminicídio. Essa legislação aumentou as punições contra homicídios de mulheres, estabeleceu varas especializadas em violência doméstica e criou medidas de proteção para as vítimas. Ao comparar homicídios contra homens e mulheres antes e depois dessa lei, os autores encontram que essa legislação reduziu feminicídios em 9%. Segundo os autores, essa redução nos casos extremos de violência doméstica beneficiou principalmente as mulheres menos educadas e as mulheres negras.
Golestani, Owens e Raissian avaliam os efeitos de varas especializadas em violência doméstica na cidade de Nashville nos Estados Unidos. Explorando a alocação quase aleatória de casos de violência doméstica a varas comuns e especializadas, os autores encontram que réus em varas especializadas são condenados com menor probabilidade, mas as vítimas dos casos em varas especializadas sofrem menos revitimização e cooperam mais com a Justiça em incidentes futuros. Dessa forma, varas especializadas em violência doméstica simultaneamente reduzem as caras penas de encarceramento e a reincidência desse tipo de crime.
Por fim, o Judiciário brasileiro tem buscado promover debates e capacitar juízes para lidar com crimes de violência doméstica. Por exemplo, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou em 2020 uma recomendação para que todos os tribunais tornem obrigatória capacitação em direitos fundamentais sob perspectiva de gênero para juízes lotados em varas com competência para aplicar a Lei Maria da Penha.
De acordo com os resultados encontrados por Laneuville e Possebom, essa iniciativa do CNJ é um passo importante para uma aplicação mais uniforme da justiça. Em particular, os autores encontram que juízas são mais duras que seus colegas homens ao analisar casos criminais de violência doméstica. Essa discrepância se acentua quando não há flagrante e quando o caso envolve companheiros ou ex-companheiros. Essas diferenças específicas sugerem a importância de juízes serem capazes de se conectar com a vítima e compreenderem as normas sociais vigentes. Essa relevância é demonstrada também pelo resultado de que juízas, mesmo sendo mais duras, não enfrentam mais recursos contra as suas decisões.
O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço “Políticas e Justiça” da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Helena Laneuville e Vítor Possebom foi “Maria da Vila Matilde”, de Elza Soares.
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