Faz muitos anos, universidade deixou de ser discussão pública no Brasil, assunto de conversa daquilo que, no passado, se chamava de “formadores da opinião pública” (formavam a opinião uns dos outros. Atualmente nem isso). No máximo, falamos de ranking, o que dá audiência, ranking de qualquer coisa, de pizzaria a sex shop, de riqueza a felicidade. Nos EUA, é assunto de guerra cultural e política.
Universidade não é aqui assunto de política pública, de política econômica de médio prazo, que dirá de discussão eleitoral. Mesmo discussões sobre políticas de desenvolvimento mal mencionam universidades e centros de pesquisa —essas políticas vão dar com os burros n’água.
Tratar de universidades nos EUA parece, pois, assunto ainda mais esotérico. A extrema-direita detesta a universidade, nos EUA, aqui e alhures, não é de hoje. É dos elementos centrais de seu ataque demagógico a elites (àquelas elites escolhidas para apanhar, claro). Sob Trump 1, como em tantos casos, o ataque ficava mais no mundo da arenga, da retórica.
Agora, o trumpismo está mais preparado para a implementação, tem mais capacidade executiva —tem “comandos em ação” e aterroriza também o que há de funcional e civilizatório no Estado. Está demolindo o serviço público profissional, as agências técnicas de supervisão, fiscalização, de promoção da saúde e de pesquisa biomédica, bioquímica, ambiental. No ano que vem, vai atacar o Banco Central, o Fed.
Agora, Trump amplia sua frente de guerra à universidade. Começou por dizer que combatia o antissemitismo de estudantes que fizeram manifestações contra Israel. Exigiu mudanças em conselhos universitários e em políticas de segurança nos campi. A seguir, atacou universidades que adotam políticas de diversidade, equidade e inclusão ou similares, “woke”. Quer mudanças em métodos de seleção de estudantes, programas de estudo e outras complicações extensas demais, que não cabem aqui.
O ataque maior é contra as universidades privadas melhores e famosas, como as da Ivy League (da costa nordeste). Fez Columbia baixar a cabeça. Ameaça tirar fundos, contratos e isenções fiscais de Harvard, a primeira grande a resistir.
Essa universidade é um dos símbolos maiores da elite da Nova Inglaterra, das elites costeiras, do poder americano mais civilizado, muita vez desprezada pelo americano médio do meião do país, por gente que foi deixada para trás, os deserdados da globalização, da “Terceira Via” e das políticas da tecnocracia liberal que comanda o mundo faz uns 30 anos. Essas universidades se pensam como responsáveis muito práticas da formação dessas elites.
De modo mais cru, está em jogo o próprio interesse americano: universidades privadas de elite, com muito dinheiro do governo, e agências e institutos do governo (Institutos Nacionais de Saúde, Nasa etc.), associados a empresas, são o coração da novidade técnica. O mundo pega carona.
O assunto vai muito além: se trata de liberdade de expressão, de pesquisa, de pensamento, ameaçada por um projeto de tirano, que contesta no grito decisões judiciais e coloca o Estado para perseguir inimigos.
Não é assunto distante. É um exemplo para a extrema-direita e seus agregados no Brasil, que olham com atenção para parte do que fazem Javier Milei na Argentina e Trump nos Estados Unidos.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.