Curiosos com o sucesso do Pix no Brasil, pesquisadores da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, pediram ajuda a Bruno Balduccini. O sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados os recebeu e explicou o funcionamento do sistema de pagamento eletrônico que é liquidado em seis segundos.
“Eles disseram que aquilo nunca funcionaria nos EUA porque o americano jamais deixaria um sistema assim na mão do governo”, explica Balduccini.
O advogado faz parte de grupo de especialistas em tecnologia e regulação que tem sido consultados ou estão levando a tecnologia do Pix para o exterior. A Colômbia vive o processo mais avançado, mas Peru, Chile e México, entre outros, buscam entender o sucesso do sistema que, em 2025, completa cinco anos.
“A gente conversa com vários pesquisadores de outros países. Vamos falar agora com pessoas da London School of Economics [da Inglaterra], com Harvard [dos EUA]. O que eles logo entendem é a necessidade de governança e política pública. Essa me parece ser a dificuldade para outras nações”, afirma a advogada Fernanda Garibaldi, diretora executiva da Zetta, entidade fundada por Mercado Livre e Nubank e que reúne fintechs. Ela é autora do livro “Sistema de pagamentos brasileiro: regulação e concorrência.”
Implementado no Brasil em 16 de novembro de 2020, o Pix foi criado para abarcar qualquer meio de transferência ou pagamento com o uso do telefone celular e se tornou o mais usado no país. Em dezembro do ano passado, o Banco Central divulgou ser usado por 76,4% da população.
De acordo com especialistas que atuam na implantação de modelos semelhantes em outras nações da América Latina ou que prestam consultorias, chama a atenção como o recurso foi amplamente abraçado pelas pessoas.
“O Brasil é um ponto fora da curva. Em outros países, a gente não vai ter a mesma aderência. O modelo criou uma relação de ganha-ganha no médio e pequeno estabelecimento. Quando o comércio percebeu que receber em Pix era mais vantajoso, criou vantagem para quem pagava desta forma. É uma transação diferente do cartão, com bandeira e emissor. Há países em que a confiança no sistema financeiro não é a mesma que a gente tem aqui”, explica Antonio Soares, CEO da Dock, fintech que participa da implantação na Colômbia.
A Dock tem como cliente o colombiano Credibanco, implantando tecnologia de “bank as a service”, que possibilita a empresas de diferentes segmentos oferecerem serviços financeiros a seus clientes. Mas a empresa prepara uma plataforma global de pagamentos pela certeza de que todos os países do mundo vão ter algo parecido com o Pix. O uso vai depender da economia local.
No caso da Colômbia, considerado o mais avançado, há dois reguladores: o banco central, que faz pagamentos de maior valor; e a superintendência de pagamentos, para quantias menores. Representantes da superintendência estiveram no Brasil várias vezes, e a regulação deverá ser parecida com a brasileira.
Entre outros países que buscam consultoria de brasileiros, o Peru, por meio de sua federação dos bancos, tenta achar uma fórmula de chegar a uma fórmula semelhante à do Pix.
“O banco central peruano não tem capacidade financeira e técnica para fazer. É outra realidade. Eles vão buscar algo mais parecido com um modelo gerido pelos próprios bancos. Vão criar uma central de pagamentos”, afirma Balduccini.
O consenso é ser difícil igualar o Brasil, criador do Pix em um cenário de tempestade perfeita: a confiança nas instituições e de que não há rastreio de dados; o entusiasmo, no geral, por soluções tecnológicas; o número de celulares em uso no país (segundo a Anatel, em janeiro deste ano eram 263 milhões); e a pandemia da Covid-19, que acelerou a digitalização de pagamentos e transferências.
“Os Estados Unidos ainda têm convenções sobre o uso do cheque. O nicho de pagamentos sempre foi considerado um patinho feio do setor financeiro. Todo mundo se preocupava com derivativos, com mercado de capitais. A partir de 2000, isso começou a mudar, o Brasil virou referência e por isso somos procurados por Peru, México, Colômbia…”, lembra Fernanda.
Ela e outros especialistas explicam que a centralização estatal do Pix também tem um arcabouço legal que não é comum em outros países. O artigo 192 da Constituição Federal versa sobre a regulação do mercado de capitais.
“Em outros lugares existe a discussão se cabe esse papel [do mercado de pagamentos] à autoridade monetária ou não”, completa ela.
“O Chile está discutindo. O Equador está começando a discutir. A interação dos países é muito grande e o Brasil está na vanguarda. O Brasil é referência mesmo em sistema de pagamentos e qualquer empresa deste segmento tem credenciais fortes para atuar lá fora”, acredita Antonio Soares.
Uma digitalização que, em expansão, pode virar até problema político. O Banco Central brasileiro quer que o real seja 100% conversível, sem restrição cambial. A ideia é que um dia estrangeiros no país recebam na moeda nacional e façam pagamentos em outras, estrangeiras. Muitas vezes, driblando a influência do dólar norte-americano.
“Isso pode cair em uma lista negra [do governo americano]. O Donald Trump não gostaria dessa ideia”, constata, sorrindo, Balduccini.