A venda de uma carteira de crédito do Banco Master para o BRB no ano passado levou servidores públicos a se queixarem de inconsistências em dados e cobranças indevidas.
A situação foi relatada por servidores que se descobriram devedores do BRB mesmo sem nunca terem contratado empréstimos com a instituição financeira. Quando buscavam informações, eram avisados de que se tratava de uma carteira de crédito vendida pelo Banco Master. Alguns dizem nunca ter feito negócios com nenhuma das duas instituições.
Procurada pela Folha para explicar os problemas, a assessoria do BRB apenas informou estava encaminhando a demanda para o Banco Master, e não se manifestou, apesar de a reportagem informar que já havia procurado o outro banco. A assessoria de imprensa do Master também não enviou respostas aos questionamentos.
No fim de março, o BRB, instituição controlada pelo governo do Distrito Federal, anunciou a compra de 49% das ações ordinárias, 100% das preferenciais e, consequentemente, 58% do capital total do Master, um banco privado com operações consideradas controversas pelo mercado. Segundo o presidente da instituição, Paulo Henrique Costa, a aquisição pretende dar escala nacional para o banco público.
Mas antes disso, no ano passado, o BRB já havia adquirido carteiras de crédito do Master que somavam R$ 8 bilhões. Diferentemente da compra de participação acionária, a cessão de crédito não precisa passar pelo crivo do BC (Banco Central).
A transferência deve apenas ser inscrita numa entidade autorizada pelo BC a registrar esse tipo de contrato. Esse procedimento virou praxe após o escândalo do banco Panamericano, que, descobriu-se durante a auditoria, vendia a mesma carteira para mais de um banco.
As dívidas de servidores começaram a aparecer no início deste ano, e a falta de um comunicado sobre o negócio entre as duas instituições causou muita confusão. Uma parte dos funcionários públicos reconhece a contratação de empréstimo, mas reclama de ter tido a dívida transferida sem informação prévia.
Segundo a Folha apurou, os bancos não são obrigados a informar esse tipo de transação, mas costumam comunicar os clientes para poupá-los do estranhamento e também deixar claro quem eles precisam pagar.
A parcela dos servidores que não reconhecia a dívida nem com o Master ficou concentrada na Bahia, apesar de o site Reclame Aqui registrar queixas em outros estados, como Rio de Janeiro e Sergipe.
Nos últimos 12 meses, o Master recebeu 1.383 reclamações no site, sendo a maioria com problemas para quitar empréstimos e acessar a plataforma. No mesmo período, o BRB recebeu 7.239 reclamações, sendo a maioria por mau atendimento e cobrança indevida.
Um professor da rede estadual de ensino da Bahia, lotado em uma cidade do oeste do estado, descobriu uma dívida de quase R$ 5.000 em seu nome, mesmo sem ele ter contratado empréstimos com o BRB.
Ao conversar com outros professores, soube que dezenas de colegas passavam por situação semelhante. Um deles encontrou uma suposta dívida de R$ 57 mil com o BRB, banco com o qual nunca teve relacionamento.
Em contato com o BRB, os servidores foram informados que as dívidas seriam parte de uma carteira que havia sido comprada do Master, responsável por gerir o Credcesta, um cartão de benefício consignado, exclusivo para servidores públicos, aposentados e pensionistas. Ao entrarem em contato com o Master, a instituição afirmou haver equívoco e suspendeu as cobranças, segundo eles.
“Foram centenas de queixas de servidores sobre cobranças indevidas”, afirma Rui Oliveira, presidente da APLB, que representa os trabalhadores da educação na Bahia.
No Reclame Aqui, os clientes narravam que eram jogados de um lugar para outro.
Um morador do interior da Bahia contou que descobriu um empréstimo de R$ 7.933,92 em seu nome BRB. Fez contato com banco e informaram que a dívida havia sido contratada no Banco Master, através do Credicesta. No Master, confirmaram que ele tinha um empréstimo dividido em 82 vezes de R$ 391, feito pelo Credicesta.
Ele afirmava não reconhecer a transação e também não ser cliente do Banco Master, muito menos do Credicesta. Ele procurou o Credicesta, mas a atendente negou que houvesse tal débito. Numa segunda ligação, no entanto, o novo atendente disse que constava o empréstimo. Quando ele começou a explicar que não reconhecia, a ligação caiu.
Outro morador do interior da Bahia contou no Reclame Aqui com uma história parecida. Havia identificado um empréstimo de R$ 9.908,38 no BRB que ele desconhecia. No banco, informaram que tal empréstimo havia sido contratado no Banco Master via Credcesta.
No texto, ele qualifica a situação de desrespeitosa e estressante, pois acreditava que alguém tinha feito o empréstimo usando o nome dele. Em resposta, o Credcesta informou que havia ocorrido um erro pontual de processamento, e em um mês o problema seria resolvido.
Procurada, a Secretaria da Administração do Estado da Bahia informou não ter conhecimento formal de denúncias de servidores públicos estaduais envolvendo o banco BRB e destacou que, caso as receba, irá apurar imediatamente os fatos.
O Banco Master tem um histórico de atuação na Bahia desde que incorporou o Credcesta, operação de crédito consignado que tem como embrião a rede estatal de supermercados Cesta do Povo. A rede foi privatizada em 2018 na gestão do então governador Rui Costa (PT), hoje ministro da Casa Civil.
Desde então, passou a operar com crédito consignado para servidores, operação que depois foi expandida para outros estados. Com o tempo, contudo, a empresa foi alvo de ações na Justiça e queixas de servidores, que reclamavam de juros abusivos e envio cartões sem prévia solicitação.
Parte dos processos foi interrompida no ano passado, após o Tribunal de Justiça da Bahia instaurar um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas que parou as ações relativas a empréstimo consignado com cartão de crédito.
Em 2021, o banco foi alvo de uma civil pública movida pelo Ministério Público do Estado da Bahia, que demandou à Justiça que a instituição atuasse com transparência e cancelasse os cartões que não solicitados pelos clientes.