Foi a psicóloga quem fez a pergunta que foi a última peça do quebra-cabeças para Ivonete Guarino, 38. Ela queria empreender em um ramo diferente do que estava habituado, mas vivia um momento difícil. Cuidava da sogra, que tinha Alzheimer. Começou a perceber como a sociedade tratava as pessoas com mais de 60 anos.
“Eu comentei o quanto a dignidade do outro era importante para mim. Minha psicóloga, então, me provocou: ‘Já pensou em fazer alguma coisa para idosos’?”, lembra.
A Vô Contigo nasceu 48 horas depois. Criada em Cuiabá, em 2019, onde a empresária vivia, a startup se expandiu para São Paulo no ano passado, para onde a fundadora se mudou “sem conhecer ninguém”, ao lado do filho Eduardo Miguel, 10.
O serviço é uma espécie de Uber para pessoas com mais de 60 anos. Mas resumir assim seria reducionismo. Os motoristas passam por treinamento com uma gerontóloga. Recebem aulas sobre o processo de envelhecimento e como proceder em contratempos que podem surgir no decorrer do atendimento.
Além da corrida individual, há um serviço mensal em que todos os compromissos do cliente são gerenciados pela Vô Contigo. Também existe o motorista preferencial, o que significa a pessoa 60+ ser sempre atendida pela mesma pessoa porque pode ser desconfortável para ela entrar no carro com um estranho.
Também é oferecida a opção de concierge, em que o motorista pode levar, acompanhar e trazer de volta o cliente em idas ao mercado ou consulta médica, por exemplo.
“Essa ideia, para mim, foi uma paixão avassaladora. Não teve período de incubação. Pensei nisso de manhã e à tarde cheguei no Sebrae com um pedaço de papel”, afirma a criadora.
Ela foi a primeira motorista do próprio serviço e, para entender os desafios de quem faz atendimento ao público, também prestou serviços para a Uber durante alguns meses.
Hoje em dia, a Vô Contigo conta com 120 motoristas, sendo 90 em Cuiabá e 30 em São Paulo. O objetivo deste ano, diz ela, é se consolidar na capital paulista. Uma mudança que não foi pequena para quem passou 15 anos na indústria de cosméticos. Começou aos 18 anos, vendendo produtos na faculdade onde estudava e chegou a diretora de vendas da Mary Kay.
“Eu pensei em um negócio que precisava ser financeiramente sustentável no decorrer do tempo, mas alinhado com meus valores pessoais. Eu nunca quis só trocar o meu tempo por dinheiro. Cuidar da minha sogra foi a gota que faltava.
O serviço sempre funcionou por WhatsApp para facilitar o uso por pessoas que podem ter dificuldades com novas tecnologias. O valor da corrida individual, assim como em aplicativos, depende de uma série de fatores, mas segundo Ivonete, geralmente custa cerca do dobro de uma corrida por Uber ou 99.
Os outros serviços possuem valores a serem analisados caso a caso.
“Eu vislumbro um mercado que é gigante e tem aspectos não explorados. Só vai crescer. E não recebi investimento nenhum. Funciona na raça”, explica.
Estimativa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) aponta que o Brasil terá mais pessoas com mais de 60 anos do que crianças e adolescentes até 14 anos no início da próxima década. Uma faixa etária que representará 20% de todo o consumo no país. Hoje em dia, essas pessoas gastam cerca de R$ 2,5 bilhões por ano. São cerca de 33 milhões.
Para a ONU (Organização das Nações Unidas), em 2050 a população 60+ será de 2 bilhões de habitantes no mundo.
Desde o início, a ideia de Ivonete, além do ideal, é surfar no aspecto financeiro desta onda. E para isso, pode ser obrigada a entrar em um assunto que, quando mencionado, parece deixá-la desconfortável: buscar investidores.
Ela já teve sócios. Segundo suas próprias palavras, eles “não performaram” e saíram. Não se vê como alguém com o perfil procurado por fundos de investimentos ou outras empresas.
“A gente está no mercado em busca de novos clientes a parceiros. Em algum momento, vou querer investidor. Mas eu vejo que o investidor padrão procura um empreendedor bem específico e eu sou uma mulher preta que vem do Centro-Oeste. Mas em algum momento, vou ter apetite para buscar isso.”