A discussão sobre medidas macroprudenciais continua. Relembrando o leitor: trata-se de mecanismos/instrumentos que buscam promover a estabilidade financeira de um país. Isto é, evitar a formação de bolhas de crédito e de preços de ativos, cujo estouro pode ser bastante traumático, como nos ensinou a grande crise financeira de 2008/09.
Não à toa, após aquele episódio, o uso de algumas dessas medidas passou a ser recomendado e incentivado pelo BIS, o “banco central dos bancos centrais”. Ou seja: se antes da crise elas eram pontuais e discricionárias, nos últimos 10-12 anos passaram a constar do conjunto de práticas recomendadas pelo BIS e pelo FMI. Falei mais sobre isso no artigo “Medidas macroprudenciais são heterodoxas?”.
A despeito disso e de um avanço enorme do conhecimento teórico e empírico sobre o tema acumulado na última década (há inúmeros estudos de elevada qualidade sobre isso, em contraste com o sugerido por alguns críticos, que me acusaram de cherry-picking), muitos não querem nem mesmo debater, ao menos aqui no Brasil.
Esse tipo de postura decorre, em certa medida, de um certo trauma envolvendo a adoção desse tipo de medida no começo da década de 2010. Lá atrás, embora o uso dessas medidas parecesse ser justificado no caso brasileiro (comprava-se um carro financiado em 84 meses sem entrada, praticamente um subprime tupiniquim…), seu uso foi abusivo, tentando substituir a política monetária tradicional (feita por meio de alterações na taxa básica de juros). Contudo, como disse certa vez um professor meu: “O mal cozinheiro não condena a gastronomia”.
Como argumentei no artigo anterior aqui na Folha, as medidas macroprudenciais devem atuar de forma complementar à política monetária, já que elas também geram impacto sobre a atividade econômica e a inflação. Essa atuação complementar e coordenada entre essas duas políticas gera diversos ganhos para a economia.
Um estudo de economistas do Banco Central Europeu de 2021 (Cozzi e outros autores) apontou que medidas macroprudenciais anticíclicas reduzem a taxa de juros de equilíbrio da economia (o que gera efeitos colaterais positivos sobre as contas públicas). Um outro estudo de economistas do BIS de 2017 (Boar e outros), que usou dados de 64 países avançados e emergentes, apontou que a adoção dessas medidas de forma sistemática reduz a volatilidade e aumenta o crescimento do PIB no médio e longo prazo.
Já há alguns trimestres, uma medida macroprudencial em particular –o chamado colchão de capital anticíclico– deveria estar acionada no Brasil, uma vez que há indícios, apontados pelo próprio Banco Central do Brasil nos “Relatórios de Estabilidade Financeira”, de que o crédito esteja crescendo de forma excessiva desde o final de 2022. Convém lembrar que esse “colchão” existe há cerca de uma década no Brasil e em boa parte dos países do mundo e que está acionado em diversos deles neste exato momento.
Alguns apontam que essa medida seria pouco efetiva no Brasil, uma vez que o sistema conta hoje com níveis confortáveis de capital –crítica bastante pertinente. Mas isso não significa dizer que não haja heterogeneidade e que alguns bancos não responderiam a exigências de maior capital (como apontou um estudo recém-publicado de economistas do BCB, Gonzalez e outros).
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