Rashi Gupta, 40, é conhecida como a pioneira na produção de baterias avançadas de lítio na Índia, um país que como o Brasil tenta liderar a transição energética. Ela é fundadora da Vision Mechatronics, fabricante do setor de energia renovável.
Gupta está entre as mulheres mais influentes do setor de energia em toda a Ásia, e recentemente sua empresa lançou um sistema de armazenamento de eletricidade proveniente da reutilização de baterias de carros elétricos, além de um fogão movido a hidrogênio de baixa emissão.
Nesta semana, ela foi uma das principais vozes do “Berlin Energy Transition Dialogue”, evento organizado pelo governo da Alemanha.
Com discurso nacionalista, ela defende que os países emergentes desenvolvam seus próprios mercados, sem se espelhar em nações ricas, como Estados Unidos, Europa e China. A Índia, por exemplo, é um dos maiores produtores de etanol e é vista por especialistas como parceira do Brasil na criação de um mercado global para o combustível.
À Folha, ela comentou sobre a necessidade de reaproveitar as baterias de carros elétricos, intensivas em recursos não renováveis, e destacou a importância de as nações em desenvolvimento investirem em inovação.
Qual é o propósito da Vision Mechatronics?
Fabricamos baterias à base de lítio para grandes e pequenos armazenamentos. Também estamos na iniciativa de cozimento limpo, onde fazemos um fogão a hidrogênio que permite cozinhar de forma limpa. Além disso, estamos nas baterias de segunda vida, onde reaproveitamos as baterias provenientes de veículos elétricos para uso industrial, dando-lhes uma nova vida e adiando a reciclagem intensiva.
Isso seria um tipo de reciclagem de baterias?
Existem duas formas: uma é a reciclagem e a outra é o reaproveitamento. O que nós estamos fazendo é reaproveitar baterias em sistemas de armazenamento de eletricidade. Somos a primeira empresa em todo o país a ter um pacote de bateria de alta voltagem, onde 75% de baterias antigas de carros elétricos é usado em novas baterias. É possível fazer isso a partir dos nossos sistemas de gerenciamento.
Quão preparado o mundo está para reciclar os equipamentos relacionados à transição energética?
Não estamos preparados. Então, o que sinto é que devemos dar uma segunda chance de vida a essas baterias antigas de carros elétricos e só depois devemos reciclá-las. Porque a reciclagem é muito intensiva em capital e em energia. Ou seja, primeiro devemos extrair o máximo que pudermos delas e depois, finalmente, a coloquemos para reciclagem, para que o consumo de energia e o fardo sejam menores. E assim podemos extrair minerais críticos e colocá-los de volta na fabricação de baterias.
Parte das células que vocês importam vêm da China, e recentemente os chineses anunciaram medidas para evitar a entrega de tecnologia limpa para outros países. Como isso pode afetar os países do Sul Global, especialmente na produção de baterias?
Todos serão afetados, não só o meu país e o seu. Seja o Sul Global, o Norte ou o Oriente, todos serão afetados, já que somos muitos dependentes de tudo que vem da grande China.
Mas os países ricos, ao menos, têm condições de financiar seu próprio desenvolvimento tecnológico.
A necessidade é a mãe de todas as invenções, meu amigo. E quando há uma necessidade, todos inventam; caso contrário, tantas invenções ao longo dos últimos cem anos não teriam acontecido. Então, o que você precisa entender é que a vida não vai parar se a porta da gigante China fechar para a gente, porque é aí que vamos inovar.
Nossos governos são cobrados a investir em tecnologia ao mesmo tempo em que são cobrados a atingir metas fiscais. Como conciliar isso em um cenário de corrida global para garantir tecnologias limpas?
O governo deve gastar em algo que beneficie seu país e não entrar nessa concorrência desenfreada. O Brasil não é os EUA e não é a Índia; o Brasil é o Brasil, e as necessidades do Brasil não são as necessidades da Índia ou as necessidades da Europa. Ou seja, deve-se considerar o que está disponível dentro do seu país para realmente gerar, inovar e ter sucesso por conta própria.
Quando se fala de eletricidade, o que vocês poderiam fazer é ir direto para as novas tecnologias; ou seja, dar um salto e não seguir a rota tradicional que os outros países seguiram. Deem um salto completo e obtenham a nova tecnologia diretamente. Isso lhes dará muitos empregos e os colocará à frente na corrida. Mas para isso é necessário ter tecnologias autênticas que sejam acessíveis para as massas e não apenas para as classes ricas, além de financiamento acessível.
Mas há alguns mercados que precisam de escala para se desenvolver, e o etanol, por exemplo, é um desses. As principais indústrias automobilísticas são de países que defendem os veículos elétricos, então como podemos criar um mercado global capaz de absorver todo esse etanol que nossos países podem produzir? O etanol tem muitas aplicações e, em vez de se concentrar em apenas uma, você pode se focar em várias outras. Mas não há uma guerra entre ter um veículo elétrico ou um veículo híbrido, o país deve ter ambos. Você pode ter tudo e deixar o usuário final decidir qual é a mistura certa para eles.
Não seria necessário convencer os europeus a aceitarem o etanol ou outros biocombustíveis, uma vez que eles serão os primeiros mercados de alguns combustíveis, como SAF (sigla em ingês para combustível sustentável de aviação)? Hoje, a Europa associa biocombustíveis à insegurança alimentar. Essa é uma visão europeia, mas qual é a visão brasileira e qual é a visão indiana? O mercado é criado por duas coisas: uma é o preço que você oferece e a outra é a escolha que você oferece. Estou novamente chegando ao mesmo ponto, o preço e a escolha. E se você puder fazer isso a um preço que eles possam comprar, você criará um mercado sem precisar convencer ninguém. Apenas coloque na mesa.
RAIO-X | Rashi Gupta, 40
Conhecida por seu pioneirismo no setor de baterias na Índia, é fundadora da Vision Mechatronics, produtora de sistemas de armazenamento de eletricidade. É também membro do conselho de engenheiros para transição energética da ONU e especialista em economia circular e estratégias de sustentabilidade pela Universidade de Cambridge.
O jornalista viajou a convite do Ministério de Relações Exteriores da Alemanha