No coração do Triângulo Mineiro, a região que forma o “nariz” de Minas Gerais, uma empresa do setor de fertilizantes tenta colocar de pé um projeto de hidrogênio verde que deve ser o primeiro do país voltado para produção de fertilizantes. A Atlas Agro pretende instalar nos próximos anos uma fábrica na cidade de Uberaba, um dos polos do agronegócio brasileiro.
Apontado por profissionais da área de energia e de finanças como um dos mais interessantes do país na produção de hidrogênio verde, o empreendimento foi o primeiro do Brasil a fazer parte do Acelerador de Transição Industrial (ITA), plataforma financiada pela Bloomberg e pelos Emirados Árabes Unidos para conectar projetos de transição energética a investidores do mundo todo.
Antes disso, a empresa conseguiu US$ 350 milhões do fundo australiano Macquarie para operar sua planta em MG e outra nos EUA. E agora o BNDES também estuda apoiar o projeto, que pode vir a ser o primeiro a ser financiado pelo banco de desenvolvimento.
A atenção ao empreendimento passa pelo objetivo final da empresa, fundada em 2021 na Suíça por Petter Østbø e Knut Karlsen, dois ex-executivos das gigantes de fertilizantes Yara e Eurochem.
Ao contrário da maioria dos demais projetos brasileiros em estudo de viabilidade, o plano da Atlas Agro não é desenvolver hidrogênio verde para o mercado internacional. A empresa quer produzir o combustível para usá-lo na fabricação de fertilizantes nitrogenados, produto de maior valor agregado, pouco produzido no país e responsável por cerca de 2% das emissões do Brasil.
Quem considera o projeto um dos mais importantes do Brasil, inclusive dentro do Ministério da Fazenda, diz que ele está em linha com a industrialização verde defendida pelo governo Lula, que tenta fazer com que o país venda produtos derivados de combustíveis verdes ou eletricidade renovável e não apenas exporte seus insumos energéticos. O interesse do BNDES pela Atlas, aliás, passa por aí.
Além disso, o uso de hidrogênio verde em setores cruciais para a economia do país é defendido por técnicos que monitoram a transição energética –para eles, essa seria uma forma de impulsionar o uso local do combustível, que deve ser uma das maiores indústrias da próxima década. O agronegócio é responsável por mais de um quinto do PIB do Brasil.
“O projeto cria uma abertura para que empresas impulsionem os abundantes recursos de energia renovável do Brasil e produzam fertilizantes feitos de hidrogênio verde como uma alternativa competitiva que mitiga os riscos de depender de importações”, diz Marc Moutinho, líder do ITA no Brasil.
A Atlas vai consumir por hora 300 MWm (megawatts médios) de energias solar e eólica durante todos os dias do ano, sem interrupção. Essa eletricidade será usada no processo de eletrólise, onde acontece a quebra da molécula da água (H2O) para se gerar hidrogênio.
A cada hora, serão captados 800 mil litros de água do Rio Grande, o equivalente ao consumo humano diário de uma cidade de 110 mil habitantes –a maior parte dos projetos de H2 verde no Brasil está no litoral e deve captar água do mar.
Em seguida, as moléculas de hidrogênio serão misturadas com as de nitrogênio retiradas do ar (quase 80% do ar atmosférico é nitrogênio) para formar amônia (NH3).
Na maior parte dos projetos de hidrogênio verde em estudo no Brasil, as empresas pretendem ir até essa etapa e, em seguida, exportar a amônia para outros mercados, como a Europa, onde o produto é reconvertido em hidrogênio.
Mas a ideia da Atlas é, a partir da amônia, produzir nitrato de amônio, o composto químico utilizado como fertilizante. A empresa quer fabricar 530 mil toneladas de fertilizantes por ano e comercializá-los com produtores locais –quase 80% do território de Uberaba é destinado ao agronegócio, principalmente às monoculturas de soja, milho, algodão e cana-de-açúcar.
O projeto, de US$ 1 bilhão, ainda está em estudo de engenharia, mas a previsão da empresa é iniciar suas operações no final de 2028, prazo semelhante ao de outros projetos do país. Essa seria a primeira produção de fertilizante a partir de hidrogênio verde no Brasil –hoje, a Yara produz uma pequena quantidade a partir de biometano, outro combustível verde.
O aumento da produção de fertilizantes nitrogenados no Brasil é uma demanda antiga tanto do setor quanto do governo Lula. A Petrobras tem quatro usinas capazes de produzir esse produto, mas todas estão paradas, sendo duas envolvidas em uma discussão contratual entre a estatal e a Unigel –em todos os casos, porém, o hidrogênio usado na fabricação vem de combustíveis fósseis, como gás natural.
No ano passado, o Brasil importou cerca de 19 milhões de toneladas de fertilizantes nitrogenados, cerca de 80% de todo o uso local, segundo a Anda (Associação Nacional para Difusão de Adubos). O produto é essencial para alguns cultivos, como o de milho.
Toda a operação da Atlas, porém, depende de quão dispostos os investidores estarão em apostar no hidrogênio verde. A chegada de Donald Trump à Presidência dos EUA e as dificuldades tecnológicas para deixar o combustível mais barato têm diminuído a disposição de bancos privados em injetar dinheiro nos projetos –inclusive aqueles que visam a Europa, onde o mercado deve nascer primeiro.
Rodrigo Santana, diretor de operações da Atlas Agro e representante da empresa no Brasil, diz que a empresa até agora não sentiu o impacto financeiro.
“Os projetos de hidrogênio verde têm características diferentes e o nosso projeto depende um pouco menos desses incentivos do que os outros. Em Uberaba, estaremos ao lado do produtor rural e isso representa 30% a menos no custo do fertilizante, se comparado com o importado”, afirma. Assim, na visão da empresa, as economias com a logística compensarão a produção do hidrogênio verde, ainda cara.
A atratividade do projeto seria ainda maior se o Congresso não tivesse deixado de fora o agronegócio do mercado regulado de carbono, aprovado no ano passado. A legislação cria teto de emissões para empresas, que precisam investir em tecnologias limpas para deixar seus negócios mais sustentáveis. Nesse caso, como Uberaba é um polo do agronegócio, a cidade teria maior demanda por fertilizantes verdes.
A região já abriga distribuidores de fertilizantes nitrogenados, mas a chegada de um produtor verde entusiasma o município. A área onde a planta da Atlas será instalada, aliás, foi doada pela prefeitura à empresa após uma negociação com o governo estadual. A área, inicialmente, havia sido entregue à Petrobras também para a fabricação de fertilizantes (a partir de combustível fóssil), mas o negócio não foi adiante.
“As empresas que estão aqui importam matéria-prima a custos altos, como amônia. A eletrólise vai vir com valor agregado muito grande e com certeza vai gerar uma visibilidade enorme para a nossa cidade, até porque será a única do hemisfério Sul a receber uma planta como essa”, diz a prefeita de Uberaba, Elisa Araújo.
O município está fazendo parcerias com a Atlas e o Senai para capacitar a mão de obra necessária na planta.
Perguntado sobre o que o Brasil deve fazer para não se tornar apenas um exportador de hidrogênio verde, Rodrigo Santana, da Atlas, diz: “O governo tem que olhar quais cadeias que ele julga que podem ter maior competitividade e trazer políticas públicas para incentivar. Porque um erro é tentar abraçar todo o mundo e não focar em nada; desse jeito nada vai acontecer”.
Projetos de H2 verde no Brasil
- Solátio, em Parnaíba (PI)
- EDP, no porto de Pecém (CE)
- Casa dos Ventos, no porto de Pecém (CE)
- Qair, no porto de Pecém (CE)
- AES, no porto de Pecém (CE)
- Fortescue, no porto de Pecém (CE)
- CPFL, em Baraúna (RN)
- Petrobras, em Alto do Rodrigues (RN)
- White Martins, no porto de Suape (PE) e em Jacareí (SP)
- Unigel, em Camaçari (BA)
- Atlas Agro, em Uberaba (MG)