A redução a zero no imposto de importação de alguns alimentos será repassada ao consumidor e ajudará a derrubar a inflação? Há uma vasta literatura mostrando que não.
Um trabalho de 2023 da FGV (Fundação Getulio Vargas), liderado pelo professor Leonel Cesarino Pessôa, mostra que uma redução de um ponto percentual no ICMS, imposto de competência dos governos estaduais, se traduz em 0,13 ponto percentual de variação nos preços. Ou seja, apenas 13% do benefício chega ao consumidor, no caso desse tributo.
Os pesquisadores analisaram as alterações desse imposto sobre uma cesta de 79 produtos alimentícios no período 1994-2021 para estimar o repasse das desonerações aos preços.
O número é uma média. Para alguns produtos, o impacto foi nulo: arroz, feijão, açúcar, carnes, pescados, leite, panificados, óleos, bebidas e sal.
O Ministério da Economia, ainda na gestão Paulo Guedes (2019-2022), analisou os efeitos da desoneração da cesta básica em relação aos tributos federais. O Ministério do Planejamento, na atual gestão Simone Tebet, revisitou esse trabalho, sem alterar as conclusões.
Entre as principais constatações do trabalho, está a de que essa política reduz o preço médio da cesta em 5%. Mas há um problema na destinação do benefício.
Em 2023, a desoneração dos tributos federais (PIS, Cofins e IPI) teve um custo estimado de R$ 35 bilhões, cerca de 20% do orçamento do Bolsa Família (R$ 176 bilhões). Os técnicos nas duas gestões afirmam que a maior parte desse benefício foi direcionada aos grupos de maior renda.
Nesse caso, o que interessa é o gasto em termos absolutos. Quem tem uma despesa de supermercado de meio salário mínimo (R$ 759) com produtos da cesta deixa de pagar R$ 38 em tributos. Se a despesa for de dois mínimos, o consumidor terá economizado R$ 152. Como diz o ministério, uma política que reduz preços para todos termina beneficiando também aqueles que não precisam do incentivo.
O que seria mais eficaz? Os dois governos recomendam uma combinação entre reoneração da cesta, redução de alíquotas semelhante para todos os produtos e aumento nas transferências de renda (via cashback ou aumento do Bolsa Família), o que torna possível compensar as famílias mais pobres sem provocar a inflação.
É uma recomendação semelhante àquela feita pelo Banco Mundial e pelo TCU (Tribunal de Contas da União).
Esta última instituição, em um relatório de 2020, também avaliou a renúncia fiscal para os setores de proteína animal, massas e derivados do leite. A conclusão foi que essa política não atende aos objetivos de erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades regionais, pois concentra os benefícios tributários nas duas regiões mais desenvolvidas do país (Sul e Sudeste).
Outro relatório do TCU demonstra que um reforço no Bolsa Família ou um programa de transferência de renda específico para aquisição de alimentos seria mais eficiente para famílias em situação de pobreza do que políticas de desoneração.
O setor brasileiro de alimentos, que lutou para manter a desoneração da cesta básica na reforma tributária e é beneficiado por essa renúncia fiscal, está contra a redução do imposto de importação, que beneficia os concorrentes de outros países. Podem estar com receio de que, dessa vez, a desoneração chegue de fato ao consumidor.
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