Minha primeira reação ao visitar Londres recentemente teve a ver com as livrarias. Onde elas foram parar?
Uma das minhas mais antigas e queridas lembranças da cidade tinha a ver com isso. Quando conheci a capital inglesa, no início dos anos 80, eu tinha a sensação de que não conseguia atravessar uma quadra da cidade sem ser seduzido por uma vitrine cheia de livros.
A oferta de lançamentos que via era muito maior do que a que eu conhecia aqui no Brasil, sem falar na demora com que novidades literárias por lá chegavam em tradução —ou mesmo em exemplares importados.
Londres, em 1980, era para mim o paraíso dos livros e discos, ainda em vinil. Naturalmente, o desaparecimento das grandes lojas de som, HMV, Virgin e mesmo a Tower Records, majestosa em Picadilly, me pareceu menos drástico.
Mas os livros? Será que todos migraram para as lojas virtuais na Inglaterra? Ou os custos de manter um negócio que ainda vende tal preciosidade não valem mais a pena?
Ao mesmo tempo em que ponderava sobre isso, comecei a perceber outras diferenças na cidade. Tinha mais alguma coisa que estava me incomodando. Ou algumas coisas.
Eu havia passado pela cidade em 2022, rapidamente, para uma reportagem, mas não ia lá a passeio desde antes da pandemia. Tinha algo pelas ruas que não estava batendo, para além do sumiço das livrarias.
A temporada que passei lá, logo depois do Natal, quando as lojas liquidam seus estoques, talvez tenha contribuído para essa sensação. Eram, sem exagero, milhares de pessoas para driblar todos os dias nas calçadas do centro de Londres.
Mas mesmo esse centro desta vez me parecia de alguma maneira descaracterizado —e não estou nem levando em conta os tuk-tuks com neon de onde caixas de som estridentes me insultavam com as mesmas músicas natalinas. Tudo parecia fora da ordem, como diria Caetano Veloso.
Foi lembrar dele e imediatamente puxar na memória outra música do artista que lá, exilado, tanto se inspirou. Aquele primeiro verso de “London London” tinha a ver exatamente com o que eu sentia.
“Estou vagando em círculos sem ter para onde ir.” Inesperadamente, isso fazia mais sentido para mim hoje do que em 1980. Depois de já ter vivido tantas coisas em Londres, tantas músicas, tantos amores, tantas entrevistas, tantos sorrisos, era como se eu finalmente encarasse a cidade de frente.
E o que eu vi me confundiu. Nem o frescor das primeiras descobertas nem as missões das viagens dos últimos anos. A Londres que estava ali me confundindo, me exaurindo, era como uma esfinge me propondo um novo enigma. E eu não estava conseguindo decifrá-lo.
Talvez eu não me encaixasse mais ali. Talvez Londres não quisesse mais me seduzir. Ou apenas quisesse me provocar perguntando: “Onde está a curiosidade do garoto que quarenta e tantos anos atrás se achava o dono da Circle Line?”.
Pensei em responder com outra provocação: “Aquele garoto foi procurar livrarias em outra cidade”. Mas achei melhor seguir calado com meus pensamentos por Convent Garden antes que a cidade resolvesse me devorar.
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