O grupo Coteminas propôs pagar a alguns de seus credores apenas a partir de 2055. Quem não quiser esperar tanto poderá virar cotista de um Fundo de Investimento Imobiliário (FII) que ainda será criado.
O plano de recuperação da companhia fundada por José Alencar, vice-presidente da República de 2003 a 2011, e hoje administrada por seu filho, Josué Gomes, foi apresentado no ano passado à Justiça e aos credores, que agora esperam a definição da data da assembleia em que a proposta será avaliada.
Josué é o atual presidente da Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo). No ano passado, em um raro comentário sobre as empresas de sua família, ele disse ter certeza que o grupo pagará a todos os credores.
Bernardo Bicalho, advogado na recuperação judicial, diz esperar que o plano seja aprovado ainda neste ano para que as empresas do grupo voltem a operar.
Dez empresas foram incluídas no pedido de proteção judicial. Além dos braços têxteis, como Spring Global, Santanense e Ammo Varejo (que vende Santista, Artex e Mmartan), estão também no grupo a Fazenda do Cantagalo e empresas de gestão de imóveis, como a Santanense Empreendimentos Imobiliários e Encorpar Empreendimentos Imobiliários.
O grupo declarou à Justiça ter quase R$ 2 bilhões em dívidas. A parcela mais relevante (R$ 597,7 milhões) não está sujeita ao processo de recuperação judicial, ou seja, não seguirá a ordem de pagamento prevista em lei.
Aos trabalhadores, o grupo deve R$ 106,1 milhões. Os débitos quirografários (quando não há garantia real) somam R$ 344,7 milhões; os com garantia real, R$ 379,1 milhões; os fiscais, R$ 410,5 milhões. Com microempresas e empresas de pequeno porte são R$ 8,5 milhões.
Aos trabalhadores, a companhia prevê pagar o valor total devido três anos depois da homologação do plano. Os valores serão corrigidos em até 3% ao ano. O plano também prevê que os pagamentos feitos desse jeito representarão “quitação plena, irrevogável e irretratável dos créditos trabalhistas”. O comando busca evitar questionamentos judiciais futuros.
No caso das microempresas e de pequeno porte, o grupo propõe pagar R$ 7.000, com correção de 3%, um ano depois da homologação do plano. O restante do crédito será pago com desconto e depois de quase 30 anos. Segundo a proposta, descontados os R$ 7.000, esses credores receberão o equivalente a 5% do saldo em parcela única, acrescido de até 3% de correção anual.
Para os demais credores, o plano da Coteminas prevê alternativamente a possibilidade de pagar por meio da emissão de cotas de um Fundo de Investimento Imobiliário que será criado após a aprovação do plano.
Os quirografários terão três opções: receber até R$ 7.000 em parcela única, um ano depois da homologação do plano, sem correção monetária; receber 5% do total do crédito em parcela única no 30º ano, com correção anual de até 3%; ou a adesão o fundo de investimento, do qual passam a ser cotistas.
Esses serão os cotistas “mezanino”, prevê o plano de recuperação.
Aqueles com garantia real têm duas opções. Na primeira, 5% do crédito será paga em parcela única, com correção anual de 3%, em 2055. A outra é adesão ao fundo, do qual serão cotistas “sêniores”. Para receber por essa opção, esses credores terão de liberar as hipotecas usadas em garantia.
Os credores não aderentes poderão entrar no fundo de investimento, mas terão que liberar todas as garantias detidas e suspender todas as ações ou execuções em curso contra o grupo.
O advogado Bernardo Bicalho diz que a decisão pelo FII decorreu do volume de imóveis que o grupo tem.
O laudo de constatação prévia que antecedeu o processamento da recuperação judicial não detalha quais são as propriedades do grupo, mas aponta que pelo duas empresas (a Encorpar Empreendimentos Imobiliários e a Coteminas S.A.) têm, juntas, R$ 55 milhões em imóveis.
Advogados que atuam para credores em recuperações judiciais disseram à Folha que a proposta do fundo de investimento é incomum, mas é possível.
Uma ressalva à ideia vem do momento vivido pelos fundos imobiliários. “Não é um mercado de alta. As ofertas de fundos de tijolo quase secaram. É um momento desafiador em termos de preços e de cotas”, diz Danilo Barbosa, do Clube FII.
O interesse de cotistas por um fundo depende também do tipo de imóvel que o compõe, o que pode influenciar na liquidez daquele ativo, na velocidade de locação e de formação de preço.
Segundo o advogado do grupo, já existem negociações com credores considerando a constituição do fundo.
Bicalho também diz que a empresa já vem “desmobilizando ativos que não são úteis” para que os valores sejam depois destinados à recuperação judicial. Há alguns dias, o juiz Murilo Silvio de Abreu, autorizou a publicação de edital para a venda de dois imóveis.
Também está sob análise a venda da Mmartan. A marca foi incluída como garantia em um acordo fechado em julho entre a Coteminas e o fundo Odernes, titular de debêntures da companhia. Foi em meio a uma disputa com esse fundo que o grupo decidiu pela recuperação judicial, depois que o Odernes declarou o vencimento antecipado das debêntures e a execução das garantias, o que resultaria na transferência todas ações da Ammo.
O grupo conseguiu um empréstimo de R$ 20 milhões do banco Fibra, na modalidade DIP (Debtor-in-Possession Financing). Nesses tipo de crédito, caso a empresa não consiga se recuperar, o pagamento do empréstimo é extraconcursal, ou seja, tem preferência no pagamento.
O modelo tem sido usado por grandes empresas como um meio de garantir capital de giro enquanto as contas e dívidas são reorganizadas.
A Coteminas vem acumulando protestos em suas fábricas há alguns anos por atrasos no pagamento de salários e benefícios e sucessivas pausas em suas fábricas. Os demonstrativos financeiros das empresas do grupo também estão atrasados.
A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) também abriu um processo para apurar a responsabilidade pela suspensão do registro de companhia aberta da Springs Global, do grupo Coteminas, atualmente em recuperação judicial.
Além de Josué, também foram incluídos no processo Pedro Garcia Bastos Neto, diretor e vice-presidente da Coteminas, e Barbara Gomes da Silva, que desde maio de 2024 é diretora financeira e de assuntos corporativos da Springs Global.