A questão sobre a Europa, dizem os críticos, é que ela é excessivamente regulamentada. Montanhas de burocracia e impostos punitivos significam que não há empreendimentos trilionários na França ou na Alemanha para igualar a Amazon, Google ou Tesla. Mas isso não é tudo que falta à Europa.
Também ausentes do continente estão os “broligarchs” que estão no topo de tais gigantes, alguns dos quais têm um controle mais firme sobre o poder do que sobre a realidade. Assim, não há Rasputins europeus injetando milhões incontáveis em campanhas políticas, ganhando lugar de destaque nas posses de líderes ou seus próprios departamentos governamentais recém-criados para administrar.
Há poucos unicórnios na Europa, infelizmente, e pouca inovação. Dito isso, lá não há absolutamente nenhum executivo de tecnologia se gabando nas redes sociais de passar seus finais de semana colocando pedaços do Estado “no triturador de madeira”.
A questão sobre a Europa é que ela é indecisa, muito lenta para agir. Cada crise requer múltiplas cúpulas dos líderes nacionais da União Europeia, muitas vezes discutindo até tarde da noite. Os processos entediantes de governar por consenso podem desacelerar a UE a um ritmo de tartaruga: levou quatro dias e quatro noites de negociações para concordar com o último orçamento de sete anos do bloco, em 2020.
Por outro lado, o aparato estatal europeu não fecha arbitrariamente a cada poucos anos quando o acordo político sobre o financiamento se mostra distante, deixando milhões de funcionários públicos em licença e serviços básicos indisponíveis por dias ou semanas.
Governar por consenso também significa que os tuítes petulantes de um político equivocado —tarifas de 125% sobre a China, alguém?— não resultam em mercados de ações globais sendo lançados em uma espiral descendente.
Os altos escalões da UE são não eleitos e às vezes não são responsáveis. Ainda assim, eles não ousariam ser fotografados jogando uma partida de golfe depois de terem eliminado as economias de milhões de seus compatriotas.
A questão sobre a Europa é que ela se aproveita da defesa, não gastando o suficiente em suas forças armadas para afastar ameaças sozinha. Isso continuará a ser verdade por um longo tempo, mesmo com os orçamentos de defesa sendo aumentados em grande parte do continente. Mas também reflete uma compreensão diferente do que “defesa” significa.
Por um lado, ninguém na Europa —fora da Rússia, pelo menos— está sequer insinuando casualmente que invadirá outros países. Não há piada em Bruxelas sobre transformar um vizinho relutante em “nosso 28º estado” (pelo contrário, muitos dos vizinhos da UE estão desesperados para se juntar ao clube). Nem os vice-presidentes europeus voam sem convite para lugares que estão tentando anexar, sob o pretexto de que seu cônjuge quer assistir a uma corrida de trenó.
A Europa pode ter economizado na coleta de inteligência, mas seus vários líderes sabem a identidade do agressor que iniciou a luta na Ucrânia (dica: não é a Ucrânia). Muitos previram as armadilhas de invadir o Iraque há algum tempo.
A questão sobre a Europa é que ela não tem um apego absolutista à liberdade de expressão. Veja como juízes na Romênia e na França destruíram as carreiras de políticos de extrema direita, que se convenceram (com poucas evidências) de que foi sua ideologia, e não sua violação da lei, que os colocou em apuros.
No entanto, para muitos europeus, a ideia de que a liberdade de expressão está ameaçada parece estranha. Os europeus podem dizer quase tudo o que querem, tanto na teoria quanto na prática. As universidades da Europa nunca se tornaram focos de policiamento de discurso por um tipo de defensor cultural ou outro.
Você pode expressar uma visão controversa em qualquer campus europeu (fora da Hungria, pelo menos) sem medo de perder seu cargo ou sua bolsa. Não há centros de detenção esperando estudantes estrangeiros que têm as opiniões erradas sobre Gaza; veículos de notícias não são processados por entrevistar políticos da oposição. Escritórios de advocacia não são obrigados a se curvar aos presidentes como penitência por terem trabalhado para seus adversários políticos.
A questão sobre a Europa é que ela está enfrentando uma crise demográfica. Está evitando um declínio acentuado na população apenas reforçando sua força de trabalho com imigrantes, alguns dos quais se integraram mal. Tal imigração mostra o apelo do modo de vida europeu; para aqueles que vêm buscando refúgio da guerra, mostra a generosidade dos europeus (às vezes equivocada). E enquanto os europeus ocasionalmente fazem um show de reprimir os migrantes ilegais, eles geralmente dependem dos legais para colher suas safras.
A questão sobre a Europa é que sua economia está permanentemente estagnada, um conto de advertência global. E não é de admirar. Os europeus desfrutam de agosto de folga, se aposentam em seu auge e passam mais tempo comendo e socializando com suas famílias do que os habitantes de qualquer outra região.
Curiosamente, pesquisas mostram que pessoas em países ricos e pobres valorizam esse tempo de lazer; de alguma forma, os europeus conseguiram pressionar seus empregadores a lhes dar mais disso. Mesmo enquanto deprimiam o PIB desperdiçando tempo brincando com seus filhos, os habitantes da Europa também conseguiram manter a desigualdade relativamente baixa enquanto ela aumentava em outros lugares nos últimos 20 anos.
Ninguém na Europa passou a última semana olhando para seu portfólio de ações, se perguntando se ainda poderia pagar para enviar seus filhos para a universidade. Os europeus não têm ideia do que é “falência médica”. Ah, e nenhum líder da UE jamais lançou sua própria criptomoeda.
A questão sobre a Europa é que ela é ingênua, o único bloco comercial global apegado a normas morais. Insiste em cumprir os decretos da OMC (Organização Mundial do Comércio), por exemplo, ou em fazer sua parte para reduzir as emissões de carbono. Não é um lugar que exige que aliados venham rastejando até ele implorando por “favores” sobre tarifas.
A questão sobre a Europa é que ela é como um museu a céu aberto, o continente de ontem. Seu modelo é sequer sustentável? Uma boa pergunta —uma que pressupõe que o modelo europeu vale a pena ser defendido.
É um lugar abençoado com cidades caminháveis, longas expectativas de vida e crianças vacinadas que não precisam ser treinadas para desviar de atiradores escolares. O reino de Carlos Magno é um lugar de muitos defeitos, muitos deles duradouros.
Mas, à sua maneira lenta, os europeus criaram um lugar onde têm garantidos direitos ao que outros anseiam: vida, liberdade e a busca da felicidade.
Texto do The Economist, traduzido por Gustavo Soares, publicado sob licença. O artigo original, em inglês, pode ser encontrado em www.economist.com